Minha menstruação atrasou, no
quinto dia passamos na farmácia comprar um exame de urina. Fui por farra, pois
tinha cá comigo que sentia até as cólicas. No entanto, o exame deu positivo e
eu mergulhei num mundo a parte. Não fiquei exatamente feliz e nem tão pouco
frustrada, fui transportada para uma tênue linha entre esses dois estados
emocionais. Fiquei lá, de perna bamba e braços estendidos tentando me
equilibrar. Em verdade eu estava bem habituada a esse “lugar”, é onde costumava
ficar quando o assunto era filhos. Nem queria, nem desqueria.
Na mesma manhã fomos ao postinho.
Falei meio desconcertada na recepção que o exame de urina tinha dado positivo.
Atualizaram meu cadastro do SUS e já fui encaminhada para o que seria minha
primeira consulta pré-natal. A enfermeira atenciosa e um tanto divertida me
pediu para fazer outro exame de urina. “É isso mesmo, vc está grávida! Quando
foi sua última menstruação?” Devo ter continuado com aquela cara de quem se
equilibra num slicke line muito alto, mas acho que ninguém reparou, a conversa
seguiu como se estivéssemos tomando um chá discutindo sobre a novela. Fui pesada,
mediram a pressão, tomei vacina, encaminharam um pedido de exame de sangue,
urina e fezes. Ao final, peguei uma declaração pra levar no trabalho. Quando li
na declaração consulta pré-natal senti um nó na garganta, ainda não tinha
processado adequadamente essa informação, as pessoas mais queridas não sabiam
de nada, mas a chefia já saberia, naquele mesmo dia. Por sorte o drama na minha
voz enquanto repeti alto o “pré-natal” não foi ignorado, e a recepcionista fez
outra declaração mais discreta.
Pensei algumas vezes, comigo
mesma, se deveria mesmo levar aquilo adiante, ainda me equilibrando. Só que
esses pensamentos não tiveram espaço, pq meu relacionamento com meu companheiro
é tão lindo e tão gostoso. Eu amo ele, e gerar um filho com ele é uma
possibilidade divina. Tenho emprego e suporte da família. Porque eu ainda
estava pé ante pé, me equilibrando?! Os problemas do mundo, o desejo de não ter
nascido, qual o propósito da vida, essas questões paralisam. Foi numa aula de
teatro, dentro da ONG Pés no Chão, todos sentados/deitados em roda no chão
falando sobre a peça, nesse momento eu acreditei. Olhando aqueles olhos jovens
e brilhantes, sentindo a energia dos que fazem algo por gosto, sem visar lucro,
dos que riem fácil. Cada um e todos tinham nascido, havia uma mãe que tinha
aceitado parir cada um deles. Se não, não haveria teatro, não haveria olhos
brilhantes que acreditam na beleza do mundo, cabeças apoiadas nas barrigas, as
costas no chão. Certo, aceito e agradeço. Acredito no mundo e no ser humano.
Minha decisão foi tomada, eu aceito! Sai da fina linha para explorar o espaço
da gestante feliz.
Liguei no RH para perguntar do
convênio, não lembro o valor, mas pra quem põe 50% do salário no aluguel, era
alto. Além do mais o período de carência para parto é 10 meses. Dado que eu não
sou uma baleia, isso significava simplesmente que não iriam cobrir o parto de
quem não se planejou. No caso eu. Ah mas quer saber de uma coisa? Quem não quer
contribuir com o lucro dessa empresa sou eu. Usufruir desse privilegiosinho,
fomentar a desigualdade. E afinal, como funcionária pública que atua dentro de
um órgão público eu vejo pessoas que buscam excelência no desempenho de sua
função, até mais do que em frias empresas privadas. Além disso, mamíferos dão a
luz todos os dias nos recônditos dessa exuberante natureza sem gastar um tostão
furado, e nascem filhotes fortes de mães saudáveis.
A próxima consulta foi com a
médica. Não foi no postinho, foi na santa casa. Cheguei as oito e meia, uns 15
minutos depois fui pesada, pressão medida. E logo fui atendida. O atendimento
foi mais rápido e impessoal do que eu gostaria. Enquanto a médica preenchia
minha carterinha de gestante eu bolava algumas perguntas para aproveitar o
máximo da oportunidade, questionei se tinha problemas andar de bicicleta ou ser
vegetariana, sem problemas, para minha alegria. A resposta foi rápida e curta,
sem contato visual, afinal tinham mais umas 10 gestantes esperando fora do
consultório. Minha mãe estava comigo e ficou impressionada, gostou do tempo
curto de espera, gostou do local e da médica, ela comparou com as consultas
caras e particulares da minha irmã em São Paulo e me disse sorrindo, “lá
ficamos mais tempo esperando e as consultas não são muito diferentes”. Isso me
deixou confiante de minha decisão, e escondi minhas críticas lá no fundo.
A partir daí fomos seguindo um
mês com a enfermeira engraçada, um mês com a médica apressada. Senti falta de ser
informada, de conversarem comigo olhando nos meus olhos, interessadas pelo que
eu teria a dizer ou a ouvir. Nada sobre as fases do desenvolvimento do feto,
sobre como eu poderia vir a me sentir, nenhum conselho sobre alimentação ou
explicações mais atenciosas sobre minhas dúvidas. Talvez haja um trabalho mais
especifico nesse sentido com o grupo de mães, realizado no PEI. É público, mas
não fui informada dos horários de reunião “porque você trabalha e não poderia
ir”.
Os exames de sangue são feitos
num local bastante agradável, por enfermeiras atenciosas, e apesar do número de
pessoas assustar a espera é pouca. Outro dia presenciei algo interessante:
- Pra fazer o exame de sangue...?
- Precisa pegar uma senha.
- É particular!
- Precisa pegar uma senha.
Ao ligar na santa casa para
agendar uma consulta - porque as agendas do mês são abertas na última semana do
mês anterior, então as vezes não conseguia sair de uma consulta com a próxima
marcada – me perguntaram algo curioso: “é particular ou convênio?”. Hum, seria
o acesso a um atendimento mais atencioso?!
Os exames de ultrassom tiveram
variação de tempo para marcar. No morfológico eu quase perdi o período
adequado. Que ainda não sei afinal qual diferença desse exame para os outros. A
sala do exame é pouco agradável, tem um equipamento enorme ocupando quase a
sala toda repousando eternamente sob um lençol branco. O tratamento é bem
impessoal, quase 30 gestantes são marcadas para o mesmo horário, e por isso
passamos mais de uma hora esperando.
Sobre o parto, aguardemos. A
obstetra que é a chefe da maternidade me garante, sempre que eu tento conversar
sobre os procedimentos do parto me garante que o hospital trabalha com um
atendimento humanizado. “todas as equipes?” “Sim, se não, não é nem
contratado”. E exatamente nessa semana a maternidade entrou em reforma. Ainda
não entendi bem o propósito dessa ampliação, uma vez que vai continuar com
apenas um quarto de parto. Os leitos passarão de 8 pra 11, mas isso eu não sei
se faz tanto sentido...
Nesse momento final as consultas
passaram a ser exclusivamente com a médica e quinzenais. Acredito que em alguma
consulta receberei um atendimento mais atencioso, talvez elucidando detalhes
dos procedimentos do parto e do cuidado com o bebê.
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