Entro no
mercado comprar frutas e verduras, de terça que tem maior variedade. Sempre
sinto um certo incomodo por estar naquele lugar, não sei dizer o que exatamente.
Seriam as embalagens coloridas, plásticas, contendo produtos artificiais,
“comestíveis”, que além de não fazerem bem (isso é nutrirem) ainda fazem mal?
Passo cada vez mais determinada e ilesa pelas prateleiras centrais, recheadas
de açúcar. Quem busca um incentivo para isso aconselho assistir ao documentário
That Sugar.
Acontece que
mesmo na parte saudável do mercado o incomodo permanece. É como uma frustração,
na minha lista de compras mental sempre tem:
- frutas
- legumes
- verduras
Não
especifico, vou buscando variedade, de preços, qualidade e oferta, conforme a
época e o tempo natural de cada espécie. Mas, encontro sempre tudo igual. O
mamão no lugar do mamão, as bananas penduradas, maçã, manga, e as outras de
mais de 10 reais o kilo que variam pouco. Legumes também, batata, cenoura,
abobrinha, berinjela, tomate, cebola. O máximo da variação é se vai ter bons
xuxus ou pepino, mas nada tão surpreendente. Saio quase sempre com o mesmo, me
perguntando como fazer pratos variados com mais do mesmo. Me sinto um tanto
frustrada quando desejo um abacaxi que custa 8 reais a unidade. Aperta a
saudade das poucas bancas de produtores genuínos da feira do produtor, sábado
de manhã, no Cassino.
Mas, nem tudo
é saudade. Muito bom morar uma ilha tropical extremamente fértil!!! Assim que
cheguei o que me chamou atenção foi o exorbitante tamanho das árvores.
Mangueiras astronômicas! E em novembro elas estavam carregadas, e jogavam seus
frutos numa abundância desconcertante. O asfalto de modo implacável fazia com
que cada uma se estraçalhasse no chão. De modo que um fruto tão nutritivo se
transformasse num estorvo, melecado e fedorento. O asfalto a impedir a vida.
Acontece que
algumas mangas caem na terra. Sempre haverá a terra para as sementes brotarem!
Pudemos comer manga por todo dezembro. Para cada pé em terra ou grama uma
sacola, e depois de chupar todas quanto desejávamos, congelávamos a poupa.
Pura, ou em sucos, frapes, e mousses, refrescantes, doces, nutritivas,
amarelas. Menores e mais saborosas que as do mercado!
Até que
aquela árvore altona, que já havia me chamado a atenção por seus frutos
engraçados, passa a me oferecer a oportunidade de provar mais um sabor. A Jaca.
Não sei qual
sua origem. Indonesia ou India, me disseram uma vez. Sei que se adaptou muito
bem no clima tropical brasileiro. É muito abundante a quantidade de pés, da
dura e da mole. A quantidade de frutas por pé é de uma generosidade
impressionante. Como se não bastasse, cada fruta é impossível de ser consumida
por uma pessoa só, mesmo pelas mais avarentas. Foi assim que muito feliz fui
introduzida no mundo da Jaca. Aprendi a comer refogada com cebola e azeite,
usei o miolo da mole e a poupa da dura, aprendi a tirar o grude com óleo. Fiz
receitas doces, bolo do caroço, torta de massa podre, conserva. Além de comê-la
crua, pura. Ganhei muitas, pois descobrimos que tantas vitaminas e nutrientes
eram especialmente benéficos para gestantes. Não parei mais de ganhar jacas!
Além das que colhia por aí.
É tão livre,
o modo como elas crescem nas ruas, ao alcance de todos, é tanto nutriente
disponível sem cobrar sequer um centavo em troca, é simplesmente uma ofensa ao
individualismo capitalista. É o anarquismo vivo saindo das entranhas da terra
para nos alimentar!
Mas, já não
podemos mais encontrar aquele raro saquinho espinhudo grudado nos troncos. E
quando chego no emprego não encontro mais um peculiar geóide sobre a mesa. As
jacas discretamente vão saindo de cena. Mas, assim como foi com as mangas, uma
delicia nutritiva dá lugar a outra. E já não é só um aroma no ar, as goiabeiras
estão ofertando os mais deliciosos frutos, nutritivos, seriam as vitaminas
adequadas para o fim de verão e inicio de inverno? Os pés carregam, sem fertilizante
nem defensivo.
E como forma
de retribuição, vou me dedicando a guardar sementes, e com um esforço desmedido
produzir mudas que darão árvores para nutrir outras gerações!!! Provando a
todos que não existe inflação. O custo dos alimentos é exatamente o mesmo de 5
mil anos atrás, uma porção de Sol, solo fértil e um bocado de água. Todos tem
acesso e podem colher, desempregados desesperados ou por malandragem, o mocinho
e o vilão, a virgem e a puta, criança e idoso, nutridos e saudáveis só esticar
o braço e morder.