terça-feira, 8 de março de 2016

A servidão

Mais um dia internacional da mulher. E eu me sinto extrema e profundamente irritada. Me irrita tudo. Irrita os textos melosos e hipócritas de que as mulheres são isso e aquilo. Me irrita os debates feministas, porque giram em círculos, e não me parece levar a nada. Sinto uma busca de motivos para se indignar, surgem exemplos, e me irrita a sensação de que falar o óbvio não muda lá muita coisa. E me irrita que quanto mais eu penso mais me sinto distante do que parece de fato importar.

Porque a opressão contra mulher ainda é uma pauta?

Só pode haver algum pensamento social por traz de toda opressão. Penso se não seria o fato de se naturalizar a servidão. O poder talvez não seja tanto falar e ter voz, e sim ser servido. Ter a cama feita, a comida pronta, o prato lavado, o apartamento reformado, a casa limpa, prazer sexual, maior o poder quanto mais se é servido. E quem serve quem? Definiremos os papéis. Usaremos a biologia para naturalizar o servir feminino, afinal ela alimenta o bebê. Algumas mulheres com mais poder são servidas por outras, com feições menos europeias.

Será essa a grande causa?


Existiria machismo se os homens servissem às mulheres, ou melhor, se todos se recusassem a servir outros. Por dinheiro, ou privilégios diversos. Se todo trabalho fosse compartilhado, de igual forma para o interesse comum.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Frutas Anárquicas

Entro no mercado comprar frutas e verduras, de terça que tem maior variedade. Sempre sinto um certo incomodo por estar naquele lugar, não sei dizer o que exatamente. Seriam as embalagens coloridas, plásticas, contendo produtos artificiais, “comestíveis”, que além de não fazerem bem (isso é nutrirem) ainda fazem mal? Passo cada vez mais determinada e ilesa pelas prateleiras centrais, recheadas de açúcar. Quem busca um incentivo para isso aconselho assistir ao documentário That Sugar.

Acontece que mesmo na parte saudável do mercado o incomodo permanece. É como uma frustração, na minha lista de compras mental sempre tem:
- frutas
- legumes
- verduras

Não especifico, vou buscando variedade, de preços, qualidade e oferta, conforme a época e o tempo natural de cada espécie. Mas, encontro sempre tudo igual. O mamão no lugar do mamão, as bananas penduradas, maçã, manga, e as outras de mais de 10 reais o kilo que variam pouco. Legumes também, batata, cenoura, abobrinha, berinjela, tomate, cebola. O máximo da variação é se vai ter bons xuxus ou pepino, mas nada tão surpreendente. Saio quase sempre com o mesmo, me perguntando como fazer pratos variados com mais do mesmo. Me sinto um tanto frustrada quando desejo um abacaxi que custa 8 reais a unidade. Aperta a saudade das poucas bancas de produtores genuínos da feira do produtor, sábado de manhã, no Cassino.

Mas, nem tudo é saudade. Muito bom morar uma ilha tropical extremamente fértil!!! Assim que cheguei o que me chamou atenção foi o exorbitante tamanho das árvores. Mangueiras astronômicas! E em novembro elas estavam carregadas, e jogavam seus frutos numa abundância desconcertante. O asfalto de modo implacável fazia com que cada uma se estraçalhasse no chão. De modo que um fruto tão nutritivo se transformasse num estorvo, melecado e fedorento. O asfalto a impedir a vida.

Acontece que algumas mangas caem na terra. Sempre haverá a terra para as sementes brotarem! Pudemos comer manga por todo dezembro. Para cada pé em terra ou grama uma sacola, e depois de chupar todas quanto desejávamos, congelávamos a poupa. Pura, ou em sucos, frapes, e mousses, refrescantes, doces, nutritivas, amarelas. Menores e mais saborosas que as do mercado!
Até que aquela árvore altona, que já havia me chamado a atenção por seus frutos engraçados, passa a me oferecer a oportunidade de provar mais um sabor. A Jaca.

Não sei qual sua origem. Indonesia ou India, me disseram uma vez. Sei que se adaptou muito bem no clima tropical brasileiro. É muito abundante a quantidade de pés, da dura e da mole. A quantidade de frutas por pé é de uma generosidade impressionante. Como se não bastasse, cada fruta é impossível de ser consumida por uma pessoa só, mesmo pelas mais avarentas. Foi assim que muito feliz fui introduzida no mundo da Jaca. Aprendi a comer refogada com cebola e azeite, usei o miolo da mole e a poupa da dura, aprendi a tirar o grude com óleo. Fiz receitas doces, bolo do caroço, torta de massa podre, conserva. Além de comê-la crua, pura. Ganhei muitas, pois descobrimos que tantas vitaminas e nutrientes eram especialmente benéficos para gestantes. Não parei mais de ganhar jacas! Além das que colhia por aí.

É tão livre, o modo como elas crescem nas ruas, ao alcance de todos, é tanto nutriente disponível sem cobrar sequer um centavo em troca, é simplesmente uma ofensa ao individualismo capitalista. É o anarquismo vivo saindo das entranhas da terra para nos alimentar!
Mas, já não podemos mais encontrar aquele raro saquinho espinhudo grudado nos troncos. E quando chego no emprego não encontro mais um peculiar geóide sobre a mesa. As jacas discretamente vão saindo de cena. Mas, assim como foi com as mangas, uma delicia nutritiva dá lugar a outra. E já não é só um aroma no ar, as goiabeiras estão ofertando os mais deliciosos frutos, nutritivos, seriam as vitaminas adequadas para o fim de verão e inicio de inverno? Os pés carregam, sem fertilizante nem defensivo.


E como forma de retribuição, vou me dedicando a guardar sementes, e com um esforço desmedido produzir mudas que darão árvores para nutrir outras gerações!!! Provando a todos que não existe inflação. O custo dos alimentos é exatamente o mesmo de 5 mil anos atrás, uma porção de Sol, solo fértil e um bocado de água. Todos tem acesso e podem colher, desempregados desesperados ou por malandragem, o mocinho e o vilão, a virgem e a puta, criança e idoso, nutridos e saudáveis só esticar o braço e morder.