sexta-feira, 13 de junho de 2014

Julguemos a opressão

A Lei Maria da Penha está aí, para defender as mulheres agredidas. Mas, as mulheres violentadas muitas vezes não denunciam. Qual seria o problema? Seria o medo da retaliação, a dependência econômica, emocional? Porque elas agem assim?

Soube num seminário, existe um certo conflito ideológico no feminismo. Deveríamos defender o direito a não se prostituir - considerando que essa decisão seja tomada como uma medida extrema, na qual as prostitutas preferiam estar atuando em outra área - ou deveríamos lutar pelo direito de se prostituir - levando em consideração que essa seja uma decisão consciente, e que essa é uma profissão tão digna quanto qualquer outra? Então nos perguntamos Porque as mulheres se prostituem?

Os estupros acontecem, e muitos consideram que andar desacompanhada seja a causa. Ou usar roupas "provocantes", beber na festa da turma. Enfim, várias atitudes das mulheres provocariam os estupros.

A mulher não deve engravidar se não quiser ter filhos. Caso ocorra uma gravidez acidental então temos calorosos debates pró e contra a decisão do aborto.

Ser ou não mãe também é uma pauta que dá ibope e gera longas discussões. Trabalhar fora ou não.

É sempre sobre nós! Nosso comportamento é pauta de debate. E sempre tem alguma revista, algum comentarista, todos tem uma opinião, um palpite de como deveria ser o comportamento feminino.

Uma mulher agredida, fisicamente, já está numa situação terrivelmente delicada, e é constantemente pressionada à denunciar e à não denunciar. Mas, será que existe pressão sobre o homem? Traçar o perfil dos que agridem e investir em campanhas de conscientização, em revistas, cartazes, televisão?

Afinal, porque se utiliza de serviços sexuais? Porque os homens procuram por isso? É uma atitude nobre, de elevada moral? Não seria o pagamento a compensação por um estupro? A compra do consentimento? A aceitação do consumo do corpo feminino como mercadoria?

Porque os homens estupram? Nesse ponto eu tenho uma sugestão. Deles é cobrado isso. Anúncios provocantes aumentam a libido masculina a todo instante. Estão sempre sendo excitados.

Ainda, toda criança abortada tem um pai. O homens abortam aos milhares, eles abortam muito mais, abortam crianças vivas.

Existem milhões de matérias voltadas ao público feminino, em site, revista, programa de televisão, sobre como fazer unha, como se depilar, limpar a pele, se maquiar, o que comer, quanto pesar, qual o cabelo adequado, como trepar, etc. Mas é muuuito raro ver um programa de televisão dando dicas de como fazer a barba, um programa doméstico apresentado por homem, onde se ensina a se comportar, o que dizer, o que pensar, o que vestir, como agradar a esposa, se deve ou não depilar o peito, isso simplesmente não é pauta. As dicas direcionadas à eles referem-se sobre como agir no emprego, isso em mídias muito específicas. As revistas voltadas ao público masculino trazem notícias, informações, mulheres nuas.

Dizer que é o que dá ibope eu acho muito controverso. Seria como garantir que as mulheres naturalmente se interessam por futilidades e precisam de um "manual de instrução" de como viver, enquanto que os homens são mais ávidos por informações "úteis" e já sabem como se comportar não precisando ninguém para lhes dizer. Bom, meu n-amostral é relativamente pequeno, mas eu diria que não existe essa relação, mesmo nesse cenário, em que somos constantemente e mais arduamente incentivadas a sermos fúteis, não posso dizer que as mulheres são mais superficiais. O que vejo é que elas sentem essa pressão. A impressão que tenho é que são elas as mais inseguras e deprimidas, e não penso que seja por uma natureza mais sensível. Aliás, eu nem acredito nessa distinção biológica de sensibilidade, basta ver os inúmeros poetas, autores, compositores masculinos sensíveis. Me desculpem, mas o carinho, amor, sensibilidade, altruísmo não é exclusividade nossa.

E reconheço nesse ponto o comportamento masculino vira pauta de julgamento. Existe um senso comum de que é necessário ser bruto, rude para não ser taxado de gay. Mesmo que isso seja demodé, e ninguém assuma publicamente essa posição, ainda permanece no ar essa sugestão. Acontece que um ser rude e insensível não encontra problemas em bater na esposa, estuprar, assediar e abusar dos serviços sexuais.


sexta-feira, 6 de junho de 2014

Greve Geral

Minha sensibilidade é um pouco exacerbada, não me resta dúvida, mas analisaremos a situação dos trabalhadores brasileiros (e certamente de todos os outros países globalizados). No melhor dos casos, isso é quando se recebe um salário adequado que supera as contas, se tem uma propriedade privada, estabilidade razoável, consegue-se adquirir bens, livros, tem férias remunerada e décimo terceiro, enfim, no caso da classe média alta que pode pagar 20 reais no cinema todo fim de semana. Esses que estão como eu disse muuuuito bem, saem de suas casas por volta das 6/7 hs da manhã, enfrentam um transito dos diabos em seus carros, e voltam normalmente depois das 22 hs. Obviamente não resta muito tempo e energia mental para livros, cultura, conversas profundas, busca do aprimoramento do caráter, do espírito, filosofar, meditar. Só dá para seguir com mais do mesmo.

Existe ainda os pobres, ou nova classe média. Que recebem um salário mínimo, pagam aluguel (numa favela do Rio algo semelhante a uma casa custa por mês 500 reais), a passagem de ônibus é absurda (sendo 3 reais, gasta-se por mês 120 reais), alimentam-se com o básico (não que os de cima se alimentem muito melhor uma vez que no mercado só se vende porcaria industrializada com gosto esquisito abarrotado de sal e açúcar, com zero valor nutricional) e não deve sobrar dinheiro para livros, filmes, viagens etc. Os bairros que mais recebem investimento são mais nobres, restando aos pobres ausência de rede de esgoto, ruas pavimentadas, praças, parques, paisagismo, metrô. E a mais nova onda, possibilidade latente de desapropriação. Claro, sem contar a pacífica abordagem policial. Relembrando os casos famosos e recentes de Amarildo e Cláudia, ou ainda a inquietante pergunta "Porque o senhor atirou em mim?". Outro fator menos lógico e objetivo que oprime essa classe é o status social, lixeiros não são vistos, cobradores não são admirados, funções de submissão são vistas com desprezo subentendido como falta de capacidade, dedicação, esforço, são associadas a pessoas de pouco mérito e valor, isso repercute, sem dúvida alguma, no self de cada um. Por isso lutar por Fraternidade não me pareceu algo estúpido.

O que eu sinto é que vivemos uma falta de liberdade devido normas sociais castradoras de uma população altamente doutrinada a aceitar o status quo. Claro que sentir não serve para nada, posso então tronar mais lógico e objetivo esse "sentir", mais científico e acadêmico, Maquiavel aconselha em O Príncipe que uma população que vive sob o guarda-chuva da liberdade... não tem jeito, tem que ser dizimada, ou mais pra frente te trarão problemas, sempre tendo esse conceito a lhes encorajar:
"Quem se faz senhor de uma cidade por tradição livre e não a destrói, por ela se verá destruído. Estas cidades trazem sempre por bandeira, nas revoltas, a liberdade e suas antigas leis, que jamais esquecem, nem com o passar do tempo nem com a influência dos benefícios recebidos. Por muito que se faça, sejam quais forem às precauções tomadas, não sendo promovido o dissídio e a desagregação dos habitantes, não deixam eles de recordar aqueles princípios, e em qualquer oportunidade, em qualquer situação, recorrem aos mesmos. "
Em Discurso Sobre a Servidão Voluntária, novamente um louvor à liberdade, sem ela tudo o mais perde o gosto, pois essa seria a natureza do ser humano, algo intrínseco a ele. Mas, como fazer os humanos abdicarem de sua natureza livre para servir pacífica e voluntariamente? Através da ilusão dos prazeres fugazes oferecidos na cidade, comida, jogos, espetáculos.

Não li, mas a socióloga que dirige nosso grupo de estudos já adiantou, Marx e outros, vão dizer que o poder se dá ou pela:
Coação/ideologia, [onde vemos o discurso retumbante "o trabalho é nobre", "Deus ajuda quem cedo madruga", e os apelos comerciais compre, compre, compre, para ser mulher precisa comprar esmalte, comprar gilete, comprar maquiagem, jóias, cabeleireiro, depilação, salto alto, seios fartos (compre um par), se não não se é nada, os homens precisam de carro, relógio, camisas, pinto grande, e ser descolado, bem informado, tem que ter dinheiro, balada cara, bebida a rodo, viagem, cinema, compras. A mídia desempenha papel preponderante, podemos também pensar nas escolas] ou pela
Coerção/força, [sem servir você simplesmente morre de fome, existe latente e exacerbadamente a criminalização da pobreza, falta de serviços públicos básicos, infra-estrutura em bairros pobre. Esse papel o Estado parece assumir com certa maestria].

Não é novidade que a exploração humana alcance limites insuportáveis. Ainda que, reconheço tenhamos, enquanto humanidade, vivido poderes mais tenebrosos e condições mais lastimáveis. Agora, o limite da capacidade de tolerar explorações foi ultrapassado para um grande número de pessoas (pois convém relembrar muitas sempre estiveram gritando o quão absurda é essa relação de poder e essa estrutura social, sempre gritaram sob cassetetes e prisões arbitrárias).

A copa conseguiu servir de estopim! E foi tão ridícula que uma teoria me instiga a mente, não teria sido exatamente essa a intenção? Assume-se o poder e se reconhece: Não há jeito de melhorar pelo Estado, estamos dominados por interesses corporativistas, vamos então deixar a coisa tão absurda, tão injusta, tão desumana e insuportável, que a única resposta possível seja o levante popular. A internet mais difundida, mesmo nas periferias, ainda relativamente livre, traz informações sobre revoltas e levantes, e afasta o estigma de "brasileiro é passivo, sempre foi, sempre será, amém", podemos acessar documentários com profundas críticas sociais que nos inspiram e transformam, baixar livros, trocar ideias, mas isso só para quem tem o tempo livre necessário para filosofar, para quem pode abrir mão de jornadas extenuantes de trabalho. E para quem conseguiu sair da Matrix ["informações" produzidas por televisão, revista, livro de livraria de shopping - que produzem uma realidade falsa e ilusória]. E como expor o descontentamento com a exploração e a degradação da qualidade de vida?

Os professores estão de greve, metroviários, CET, PRF, já assistimos aos lixeiros do Rio cruzarem os braços, policiais militares. E ensaia-se uma greve geral, em plena copa! Ao meu ver nada parece mais coerente e justo. Convenhamos, mais de 90% das pessoas trabalham única e exclusivamente para terem acesso ao que o dinheiro permite (saúde, educação, segurança, cultura, lazer, habilidades, alimentação...).

Greves gerais já foram realizadas diversas vezes (a história parece não mudar, sempre houve quem se deleitasse na exploração do trabalho/vida do corpo alheio e sempre houve quem repugnasse tal atitude, podemos chama-los anarquistas - e se em alguma sociedade não era assim, então não há informação sobre ela). No Brasil, encontrei duas referências de greves gerais, uma de 1907 (4 de maio) e outra de 1917.

Poucas informações achei sobre a greve de 1907, ainda mais porque se confundem com uma greve francesa de 1906. As reivindicações eram por jornadas de 8 horas (pois eram de 13 hs), proibição do trabalho infantil, férias e salários decentes. A greve foi brutalmente reprimida pelas graças de Washington Luis. Mas, como não haviam celulares com câmaras as imagens são raras...

As pautas continuaram latente e os anarco-sindicalistas inquietos. O Brasil atuou como exportador de alimentos para a manutenção da primeira guerra mundial, o que reduziu a oferta de alimentos para abastecimento interno.  O cenário de 1917 apresentava alto custo (sem parcelamento) de vida, incompatível com os baixos salários, ampla exploração do trabalho infantil, jornadas extenuantes, e forte repressão policial a articulações proletárias. Até que em 9 de julho a repressão estatal fez uma vítima fatal José Martinez, no dia de seu velório milhares de operários acompanharam se corpo e iniciou-se nova Greve Geral. Os grevistas tomaram a cidade por 30 dias! O comércio fechou, os transportes pararam. Suas reivindicações eram:
Funeral José Martinez - São Paulo
não criminalização do movimento (liberação de presos políticos, não punição aos participantes),
abolição do trabalho infantil (menor de 14 anos),
abolição do trabalho noturno para menores de 18 e mulheres,
aumento salarial,
jornada de 8 horas e semana inglesa (dias de semana e meio período no sábado) e
pagamento de hora extra.
O movimento não ficou restrito à São Paulo, influenciando outros estados, em especial Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (Insurreição Anarquista de 1918).

Pois é, cá estamos nós diante de uma "efervescência social" por razões ligeiramente diferentes das de 1906, 1917, e das que crucificaram Jesus Cristo eu diria. Alguns se irritam, outros temem, muitos não conseguem entender. É porque nos faltou sociologia na escola, nas conversas, na TV, na revista. Eu não vejo razão para temer, aliás meu único temor é a repressão armada do Estado, os robocops recém chegados do treinamento no Haiti, os que agem na favela, esse é o meu único temor. Jovens de preto quebrando vidros, esses não me assustam. Grevistas atrapalhando o jogo, esses me inspiram.


quarta-feira, 4 de junho de 2014

A cachorra da pick up

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Sinto que no Cassino a relação humano-cachorro é especial,
parece que a sensibilidade dessa relação é mais comum e geral.
Em São Paulo, sinto ser a minoria de pessoas que se interessariam por uma conversa sobre essa relação.
A maioria acharia isso coisa de gente esquisita, ou simplesmente um tema chato de mais.
Aqui se fala de cachorro, com desconhecidos, os cães de rua tem nome, e é comum ver alguém conversando com um cachorro.

Fiquei muito feliz ontem por ver a Mel na caçamba da pick up do vizinho novamente.
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Sua história é um pouco triste.
A primeira vez que a vi seu pelo reluzia, e ela andava contente para todo lugar que o vizinho ia, quando ele chegava, abria a caçamba e ela descia ao lado dele.

Poucas coisas agradam mais aos cachorros que moram comigo do que macumbas.
Quando eles as encontram a festa é completa, 3 em 1, derrubam a vela, comem do arroz e se esfregam na galinha.
Eu tenho essa mania inconveniente de deixá-los sair sem coleira, como modo de tranquilizar minha consciência, me convencer de que vivem conosco por opção.
Eu sei que eles não tem opção de verdade, não depois de terem sido educados, criados, doutrinados nos limites de uma casa comendo ração, e tudo o mais.
De todo modo, fico mais tranquila deixando-os para que se quiserem possam correr para longe e nunca mais voltar.

Então, como os nossos cães, a Mel também estava voltando para casa fedendo a carniça. O vizinho comentou comigo, numa das poucas conversas que tivemos:
- Bah, eu não sei o que é, mas a Mel tá com um cheiro esquisito, parece que carniça.
- Ah é, o Jacques e o Gurila também. Acho que é por causa da macumba.
Ele desconversou e logo entrou em sua casa.

A Mel começou a ficar pela rua, seus pelos começaram a cair, parecia com sarna.
Latia sem razão, parecendo esquizofrênica.
O caso é que o vizinho é evangélico, nunca mais falou comigo.
Pode ser a "pressa" da rotina, ou o habito extremamente individualista que impera nesses tempos.
A Mel pode ter sido simplesmente largada de escanteio devido a chegada da filha do casal.

Ou realmente o fato de eu ter citado a palavra macumba num diálogo pode ter sido cataclísmico para Mel.
E eu senti por isso.
Até que ver ela novamente na pick up me elevou o moral.