quinta-feira, 15 de maio de 2014

Paredes Imaculadas

Objetivamente pretendo dissertar um pouco sobre paredes. Isso é "obra, ger. de alvenaria, que fecha as partes externas de um edifício e estabelece suas divisões internas" segundo Houaiss (2009). Eis que meses atrás as paredes do DCE que eram imaculadamente monocolores e estéreis começaram a exibir palavras, frases, desenhos e coisas do tipo, primeiro por dentro, depois do lado de fora a frase "FURG aristocrática" acabou imersa num mar de reivindicações, protestos e descontentamento. Ideias, por meio de frases e palavras de diversas letras, cores e sentimentos passaram a "decorar" e cobrir as estéreis paredes do prédio do Movimento Estudantil.

Me senti emocionadamente feliz! Quer dizer, na realidade fiquei só um pouquinho frustrada, pois tenho diversas sugestões, e acho que deve ser uma sensação muito tri expor uma ideia numa parede, fiquei triste de não ter participado, ainda dá tempo, quem sabe? Adorei, pela primeira vez, ficar na imensa fila do RU lendo e refletindo sobre cada mensagem exposta. Até que tive contato com o mundo real e acordei:

- Nossa, vc viu o que fizeram com o prédio do DCE?
Abri um sorriso imenso e satisfeito, antes de responder o interlocutor continua:
- Que horrível, não pode isso, pixar é crime, está depredando um bem público...
As queixas continuaram enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo. Ao que parece palavras em paredes deixam as pessoas realmente furiosas e indignadas. Será que elas leram o que estava escrito?
- Nossa, que horror, nossa universidade é tão linda, imagina o que as pessoas vão pensar quando vierem aqui e ver esse prédio?
- Se quer reclamar tudo bem, mas que fizessem uma arte, um graffiti, aí sim!
- Foi um grupo pequeno que impôs sua vontade de maneira tirânica.
- Imagina se fosse na sua casa?
- Ninguém gostou.
E a lista de queixas se prolonga. As conversas foram praticamente monopolizadas, sobre o horror da pixação.

Ao que tudo indica a aparência é fundamental, e tudo tem que parecer bonito e comportado, em conformidade com padrões vigentes, não pode fugir a regra, e a regra é clara: tudo muito estéril e controlado como shopping center ou casa de novela.

Um ponto interessante que me informaram é que o DCE (cuja chapa eleita chama-se Contra-Corrente) pretendia fazer um graffiti no prédio, foram se informar sobre como proceder e descobriram uma burocracia do tamanho de um bonde que envolvia apresentação prévia da arte para aprovação do engenheiro (espero que não seja o mesmo indivíduo que nos deixa tomando chuva e cheirando fossa na fila do restaurante, bem como nos obriga a fazer curvas e manobras desnecessárias que aumentam o trajeto...) o que além de autoritário demoraria muito.

Latuff passou pelo ME!
Em uma nota o DCE afirma que as intervenções internas partiram de uma oficina de stencil (ou estêncil, uma arte de pixar com modelos pre-concebidos, tipo carimbo), e que as manifestações explícitas não representam o interesse dos membros dessa gestão, que a principal participação no ato teria sido a não coibição.

É bem interessante como o belo e o feio, a arte e o crime se confundem conforme a posição ideológica. Eu tenho profunda admiração por diversas mensagens pixadas pela cidade. O ciclista voador, "Você já acordou hoje?", "O que estamos fazendo", "Só o capital é livre", "Aqui jaz" (sobre a plaquinha de identificação de uma arvore que foi de maneira inexplicada cortada), "A burguesia fede", "mais amor por favor". Na minha concepção são intervenções que furam o "véu de Ísis" e rompem com o mecanicismo com o qual conduzimos nossa rotina. E o que mais me agrada: ninguém está lucrando!

Pedir que se façam uma arte de protesto é estranho, pq não se pode chamar essa intervenção de arte? Eu confesso que algumas frases me desagradam. Mas não é para mim, não é sobre a minha pessoa, é sobre um coletivo e seus diversos posicionamentos. E isso torna lindo. A capacidade de ver além da aparência. Minha mãe dizia que amava ver aquelas lindas chaminés soltando fumaça, ah sim, ela poderia tirar foto, pois para ela aquilo representava o progresso, uma nova possibilidade de vida, um mundo com trabalho menos duro. Bem, acredito que concordamos sobre o quão repugnante e revoltante é ver uma chaminé tóxica e fedorenta poluindo nossa atmosfera e liberando câncer e doenças diversas em potencial...
A beleza do progresso ou o horror da destruição?

Ademais, estamos falando de um prédio do Movimento Estudantil. Que tinha cara de postinho de saúde do SUS... Houve uma apropriação do espaço, que exibe agora a dinâmica e a irreverência que se propõe o espaço. Os frequentadores que já eram, em sua maioria subversivos, sentem-se mais a vontade no espaço, e consequentemente se expressam de modo mais livre, dando vida ao Movimento. Os que reclamam, pelo menos para mim, nunca entraram e possivelmente nunca entrarão nesse prédio, nem "perderão" seu precioso tempo com discussões sobre direito dos estudantes e questionamentos sobre o papel da universidade na sociedade, ao interesse de quem ela tem servido, pelo menos não de modo engajado e contínuo.

terça-feira, 6 de maio de 2014

a competição

O que realmente me fere e ofende no capitalismo é a exclusão de tudo o que não gera lucro. Pode parecer pouco e aceitável para quem pouco se importa e se afunda na lógica produtivista vivendo para trabalhar, recebendo para consumir.

Nesse domingo teve provinha de corrida em Rio Grande. Faz alguns anos que o Thiago participa, eu acompanho, já corri em três mas não curto muito. Atualmente, a cidade está crescendo, as provas estão ganhando patrocínio, as equipes estão mais competitivas e consequentemente trazem slogans em sua camiseta, o pódio mostra ao fundo mais slogans de apoiadores e patrocinadores. Dessa vez não pedalei ao lado dele, foram mais de 900 inscritos, fiquei esperando na largada com a máquina armada. Enquanto isso via os primeiros colocados.

Pelo microfone o locutor anunciou, aí vem a primeira colocada do feminino. Legal, quis bater palmas pensando estar exercendo meu feminismo, fiquei esperando mais anúncios, e nada... Passou pela linha de chegada uma moça negra, sem patrocínios, parecia tão bem que fiquei na dúvida se era a primeira dos 10 ou das últimas dos 5 Km. Ué. Não veio ninguém depois dela, perdi o momento de aplaudir. O locutor disse depois de um tempo seu nome, de Pelotas. Grunhi os dentes de raiva. Mas algum tempo depois, o senhor do microfone começa a anunciar contente o nome que já de antes me irrita... Aí vem ela, a doutora Daniela. Está chegando, com toda sua garra e determinação, cruzando a chegada. Doutora Daniela!!!! Parabéns Dani, por seu empenho. Pensei sarcástica, parabéns por parecer um outdoor, e erguer bandeirinha da equipe no pódio.

Eu que tenho aversão a competição. Pode ser algum problema psíquico, pois me atrapalha, não consegui ler o livro "ponto de mutação" encalacrei quando ele defendia o equilíbrio saudável da cooperação com competição. Tendo nós superado algumas necessidades instintivas podendo nos dar ao luxo de pensar e conversar, qual a necessidade da competição? Será que não existe meio de superá-la? Ok, mesmo que acredite-se que essa é uma necessidade para o progresso técnico, e sei lá seleção para cargos muito desejados, é necessário alimentá-la a todo instante? Será que não existe lazer esportivo social cooperativo possível?

Tem duas histórias que gosto de me lembrar, já não me recordo a fonte e em que cultura ocorreu, uma foi ao se ensinar futebol a uma tribo. Não tinha jeito, todos comemoravam em qualquer gol, inclusive o goleiro. O importante era se divertir em grupo e deixar todos se sentirem bem. Quando terminou o tempo da partida eles não concordaram em parar. É muita falta de honra parar agora que estamos ganhando, é vergonhoso. E o jogo prosseguiu até que terminasse empatado para a alegria e contentamento de todos. Mantendo e fortificando a harmonia entre o grupo.

Outro caso foi o do antropólogo que findado seu estudo de campo tinha que ir embora, para se despedir fez uma última experiência, escondeu em uma árvore alguns doces. Quando as crianças chegaram perto dele meio saudosas ele as animou. Olha, eu deixei uma surpresa pra vocês, o primeiro que chegar ganha, está ali naquela árvore. Ele esperava correria, gritaria e (suposta) alegria típica das crianças. Mas, calmamente elas se deram as mãos e foram caminhando até a árvore. Lá chegando dividiram os doces. Ele perguntou, mais direcionado ao reconhecidamente mais rápido da turma, porque vocês vieram juntos? Não tentaram pegar tudo para si? Como podemos nos sentir feliz sabendo que nossos amigos estão tristes?

Essa competição, sistematicamente ensinada e incentivada, extrapola os limites do esporte (mesmo que ficasse nesse limite acho profundamente triste) e expande para relações pessoais, compete-se pela atenção dos pais, dos filhos, dos amigos, do chefe; nas discussões é comum não haver a real intenção da descoberta de uma verdade em conjunto, mas um objetivo egoísta e superficial de ganhar a argumentação, competindo pela razão, pela admiração dos que ouvem. E conquistando poder.

Isso me incomoda, não sei se é porque nunca ganhei alguma competição ou se nunca ganhei uma competição por não ver sentido e propósito, por achar um pouco cruel com quem perde e principalmente por em essência acreditar que ganho mais quando perco. Deve haver aqui uma diferença fundamental. Por alguma razão eu valorizo a porção espiritual do ser, quero dizer sentimentos e pensamentos, reconheço a importância da matéria, mas como uma manifestação dos valores menos palpáveis. Nesse sentido hierarquia de chegada, e aquisição de medalha perdem o valor para mim, somado ao interesse econômico que coisifica o ser em objeto de propaganda e lucro aí complica ainda mais.