sábado, 8 de março de 2014

a passividade forjada que nunca existiu

8 de março, assim que me lembrei que esse é o “dia internacional da mulher” pensei que poderia utiliza-lo para escapar da louça. Mas, já era tarde, eu havia esfregado o chão, lavado roupa, capinado o canteiro e estava segurando um prato com as mãos cheias de sabão... E sinceramente, deixar de fazer isso não teria feito meu dia mais feliz, no meu caso eu não faço por obrigação, mesmo porque as tarefas domésticas por aqui se não são igualmente divididas, pendem mais para o sexo masculino, em nossa casa anarquista. Ademais não é essa a importância da data, não é para ganhar chocolates (com cacau colhido por mãos escravas) nem flores (plantadas aos montes, com tantos produtos químicos que mal são capazes de apodrecer), nem tão pouco para ter um dia de princesa (aliás não deveria o termo se associar mais a nobreza de caráter do que a vadiagem e exploração explícita de terceiros?).

Não, não, não, pensei comigo, esse dia é para lembrarmos que em média 15 mulheres são mortas, a cada dia, pelo simples fato de serem mulheres. Eu em relacionamento sério com um feminista nato e frequentando espaços relativamente civilizados (no bom sentido do termo), não corro risco de fazer parte dessa macabra estatística. Esse dia não é para mim. Foi o que meti na minha cabeça e segui meu dia, como todos os outros. Apenas curtindo algumas postagens feministas.
Mas eis que aos 45 do segundo tempo. Ouço os rapazes de casa comentando sobre o Game of Thrones, a respeito de uma parte que a mãe diz que "o que o rei fala vira a verdade e vira a história". Instantaneamente sou arrastada até a história de Wu Zetian.
Me diga, quantos nomes de rua femininos vc conhece? Quantos bustos femininos vemos expostos pelas praças? Nomes de cidade? Não que isso signifique lá muita coisa, ainda mais no Brasil que escolhem a dedo os nomes e rostos para serem homenageados, e os verdadeiros heróis são sistematicamente ignorados.  De todo modo, quantas filósofas vc leu, ou ouviu falar? Quantas cientistas? Deusas? Líderes políticos? Mestres iluminadas?  Revolucionárias simbólicas? Será que não houve? Será que só hoje as mulheres são capazes e tem permissão de ousarem e agirem, e contribuírem para o progresso moral, intelectual e social da humanidade? E espiritual? Não houveram personalidades femininas dignas de serem lembradas? Porque tanto se fala de Sócrates e tão pouco de Aspásia? Será que não houveram mulheres notáveis, ou será que foram sendo pouco a pouco removida dos livros de história? Tão pouco os que leram Rosa Luxemburgo, ou Ema Goldman!
Voltemos a nossa Wu. Citada no maravilhosos livro: Feminino Ativo, Feminino Solar. Wu é apresentada na história chinesa como um ser diabólico de tão sanguinário. Bem, de fato, muito sangue foi derramado sob suas ordens, passível de crítica, no entanto, não teria ela derramado mais sangue do que outros imperadores a ponto de justificar tal fama. Pq sua história e contada com esse enfoque?
De início partimos que mesmo hoje, com certa liberdade que gozam os historiadores, havemos de convir que a história contada é bastante parcial. Na China essa parcialidade é acentuada, e os escritores relatam o que lhes é ordenado dizer, ou então não dirão nada.
Wu cometeu uma primeira grande gafe ao nascer sem um salsichão pendurado entre suas pernas. Mesmo num tempo de alguma valorização do feminino, mulheres eram consideradas pessoas de polaridade yin, passivas e submissas, naturalmente, sem capacidade física ou moral de reinar. Confrontar essa “lei natural” determinista de modo prático a transformava, para muitos, em um monstro antinatural.
Segundo, e possivelmente mais importante. Wu traz reformas profundamente democráticas. Instaurou sistemas de concurso público para altos cargos do Estado, “projetou diversas medidas humanitárias, tais como diminuição dos impostos, para favorecer o desenvolvimento da agricultura e da indústria da seda; isentar de trabalhos forçados os habitantes de algumas zonas e, de modo geral, reduzi-los um pouco em toda parte; converter a atividade militar em educação moral; limitar os excessos de luxo; promover o taoísmo; revalorizar o papel de mãe e e o respeito que lhe é devido [...]” Conquistando assim o apoio incondicional do povo e o ódio da classe aristocrática.  A qual após sua morte se dedicou a destruir sua história para não haver risco de que semelhante ameaça voltasse a lhes acontecer.

Ainda hoje exercer o papel de liderança num corpo feminino é um desafio bastante grande: 
"Em uma experiência comum, feita em vários países, um grupo de pessoas é convidado a avaliar um discurso feito por um homem, enquanto outros avaliam o mesmo discurso feito por uma mulher. Geralmente, todos dão uma nota maior quando o discurso é feito por um homem.
A autopromoção é uma estratégia útil para os homens, mas quando as mulheres ressaltam suas próprias realizações, provocam antagonismos ou não despertam interesse. E as mulheres parecem ficar ainda mais ofendidas com a autopromoção feminina do que os homens. Isso cria um enorme desafio para mulheres porque, quando ela é uma pessoa modesta, é considerada medíocre. Se ela procura promover suas realizações, porém, é taxada de presunçosa. Para o azar das mulheres, a liderança feminina pode ser reconhecida pela competência ou pela simpatia, mas não por ambas." (Link)

Feminino Ativo
Voltemos à China, ainda hoje podemos encontrar em Sichuan o povo Moso. Embora sua cultura esteja cada vez mais deturpada pelo acesso constante de turistas, essa sociedade se construiu num viés matriarcal. Eles não reconhecem o casamento, aliás, reconhecem como um aprisionamento do amor, que segundo sua concepção deve ser livre, “os sentimentos só conseguem desabrochar em liberdade”. Assim, as mulheres encontram seus namorados a noite como, quando e por quanto tempo querem. Quando engravidam, cuidam de seus filhos com sua família, na casa da mãe com seus irmãos. Não há a figura paterna, no máximo um tio. A casa é posse da mãe, que passa a uma filha mulher. Pode soar um pouco injusto com o sexo masculino, e talvez seja mesmo, mas eles não são objeto de maus-tratos. O fato de os homens não terem direito a propriedade, nem da esposa, nem da casa, nem dos filhos, é visto por eles como fator crucial para manutenção da harmonia:

“com elas, não há conflitos, tudo é mais tranquilo [...] o elemento masculino é causador de problemas quando possui algo sujeito a rivalidade [...] os homens [mosos] não possuem nada [portanto] eles não tem nenhum motivo para brigar.”
Esse livro traz diversos exemplos de mulheres e sociedades que nos convencem de uma vez por todas que essa história de feminino estar relacionado a passividade e submissão é uma grandiosíssima mentira. Períodos em que o feminino era respeitado e valorizado apresentam verdadeiros momentos de progresso e avanços tecnológicos e morais. O mais interessante é analisar como esse conceito (feminino = passivo, submisso, inútil, servil) é construído de modo maquiavélico, ninguém nunca me disse, não que eu me lembre, claramente “cala boca que vc é mulher e só fala asneira”. Hum, lembrando melhor talvez meu irmão tenha me dito algumas vezes, mas era “zoeira”, assim como, tenho me lembrado, algumas piadas e correntes de e-mail. Mas o fato alarmante é que essas infelizes piadas foram endossadas pelas aulas de história, matemática e física, ao sempre endeusarem cérebros masculinos (brancos de origem europeia, diga-se de passagem, classe alta, provavelmente uma vez que educação é seletiva), idem na religião “pai, filho, espírito santo” (em muitas crenças silenciadas essa trindade é feminina, ou composta por casal e filhx, mesmo pq se Deus está associado à criação quem está mais próximo desse dom, o feminino ou o masculino?) ou Kardec, Buda, Islamismo... Eu, de um modo ou outro, sempre soube que mulheres são seres inferiores, eu tentava achar algo que me provasse o contrário, mas na realidade eu sabia que éramos. Tempos difíceis esses...
Agora eu sei que não somos inferiores. Esse livro está sendo uma luz muito importante nessa consolidação desse meu novo saber. Eu sempre encarei a menstruação como um castigo, como algo realmente degradante, vergonhoso, monstruoso, uma moléstia. Mas sabe, ter essa ligação tão forte com um belo astro redondo e majestoso, é uma linda relação com a natureza. A capacidade de dar a luz, gerar vida é muito mais ativo do que a passividade de ser um receptáculo ao líquido da vida masculino, conceito inculcado a muito que ainda hoje tem repercussão quando não cabe a mãe decidir que tipo de parto ela escolhe ou se quer parir.
Não minhas amigas. Não somos passivas, e não devemos, em hipótese alguma, nenhum tipo de submissão, isso é contrário a nossa natureza, e só há de trazer dor, sofrimento e infelicidade. Obviamente, não é a autoridade e tirania, por outro lado que nos darão a paz de espirito oriunda da felicidade. Mas, o respeito mútuo às liberdades e escolhas.

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