segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Feliz Natal e breve retrospectiva

Cá estamos nós. Nessa louca e conturbada época do ano. Apesar de se confundir com um frenesi de consumo a data deveria na realidade exercer a função exatamente oposta. Uma vez que o foco é relembrar que Jesus mandou bem pra caramba em diversas ocasiões de sua vida. A ponto de inspirar os melhores sentimentos em seres humanos mesmo milênios depois de sua morte, ou nascimento no caso.

É sobre esse paralelo complexo que pretendo falar. Consumo frenético vs amor crístico. Não sei bem quem, ou como, me passou os primeiros ensinamentos morais, ou se foi algo inato. Mas, me faz muito sentido amar e respeitar o próximo como a si mesmo. Interessante é que em algum momento associei esse amor à pessoas pacíficas, de falar tranquilo, cheirosas e bem vestidas. E consequentemente, a desordem, a agressividade, a insubordinação me remetia à uma oposição a esse amor e justiça cristãos. Porque, como e quando aconteceu essa associação? Difícil saber.

Mas foi tão forte, que mesmo com meu irmão ouvindo Garotos Podres, e cantando a letra, ainda assim eu tinha certeza que ele estava fazendo algo errado, e não concordava que ele ofendesse o "bom velhinho", ele era velhinho, e tão bom, se alguém é mau e cospe nos outros só podia ser o meu irmão. Afinal, é fácil se chegar a essa conclusão quando seu irmão não é chegado em leituras, fala palavrão, é explosivo e boêmio.

O problema é que nesses nossos tempos tem sido cada vez mais difícil se manter na alienação. E no mestrado escorreguei para temas políticos e sociais, e depois de umas leituras e reflexões, passei a questionar conceitos arraigados. Muitas das pessoas que se encaixavam no meu padrão "exemplo a seguir" na realidade não se preocupam realmente com problemas sociais, não além da superficialidade confortável, exigida socialmente. Seu senso de justiça são normalmente fracos e deturpados. Falam de amor e compaixão ao próximo, mas ao serem questionadas sobre o elevado padrão de consumo atual baseado em trabalho escravo, apropriação dos recursos naturais e poluição (que prejudica muito mais os pobres), se esquivam e buscam argumentos inimagináveis com a finalidade de te desacreditar. Se questiona-se a propriedade privada então... ai o assunto fica tenso. Ainda que Jesus tenha posto esses questionamentos na mesa.

Por contrapartida, certos rebeldes, Rage Against the Machine, composições de RAP que eu outrora classificaria como perturbadoras da paz e harmonia (assim como meu irmão), trazem um profundo senso de justiça, que se revolta perante as barbáries sociais. Não barbáries produzidas de modo fútil para a manutenção da sociedade do espetáculo, mas a barbárie sistêmica. Ainda me incomodo com o som agressivo do metal ou RAP, mas as letras comumente (sem generalização) agregam mais, espiritualmente, do que cânticos religiosos.

Esse ano meu natal foi profundamente ressignificado. Graças a essas manifestações espontâneas e indignadas ao redor de todo mundo, foi impossível não questionar o que eu chamo de vandalismo, o que penso de destruição, violência e justiça. Eu que tive uma educação totalmente conservadora, que ainda me considero cristã me vi simpatizando com jovens que enfiaram estátuas sacras no cu (questionando a opressão sexual religiosa), que queimaram manequins (questionando a justiça - social e ambiental - dessa sociedade baseada no consumo), que queimaram bancos (esse sistema financeiro é o melhor que conseguimos? é bom pra quem?), que gritaram não vai ter copa (pessoas, a quem historicamente se tem negado, foram despejadas, agredidas para a construção de estádios de futebol de primeiro mundo, com verba pública capaz de revolucionar o SUS), que ocuparam espaços teoricamente públicos (causando "transtorno" para os que não foram despejados).

De fato, o mundo acabou em dezembro de 2012. Isso, que vemos iniciando nesse ano não é "normal". Isso é um convite explícito para que te dispas de certos paradigmas que, no momento, só serão capaz de promover desgraça. Pare de pensar como se crescimento econômico ilimitado fosse uma possibilidade porque não é. Ainda agora temos barbáries acontecendo, como a expulsão de indígenas em nome do crescimento econômico sem fim, e os condena ao suicídio coletivo. Como o caso do projeto de irrigação em Apodi. E inúmeras outras. Mas, para quem traz um pouquinho de altruísmo no peito, desejo

Árvore da coca-cola no México repaginada.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A ditadura GAY

O problema da homofobia, assim como o machismo, é que pessoas são diariamente agredidas de diversas formas, física e psicologicamente. Então, o assunto é sério e a luta justificada. Partindo desse ponto medidas são tomadas no sentido de buscar quebrar esse preconceito que gera repreensão/violência (no budismo mesmo o olhar pode ser violento). Com exemplo a cartilha divulgada em escolas alemãs.
Fonte: Folha Social
Só que a coisa não é tão fácil. Já reparei isso, há resistência em abrir mão de preconceitos, eu não entendo muito bem como funciona isso, mas é algo que me surpreende. Descobri essa característica quando o presidente da instituição religiosa que eu frequentava me encaminhava e-mails machistas, eu ingenuamente elaborei um e-mail para alertá-lo (ao fim da postagem), dizendo que mulheres sofrem por conceitos como aquele estarem sendo disseminados, ao que obtive a resposta

"no humor não há cultivo a qualquer tipo de discriminação...o principal preconceito é aquele que está arraigado em nosso intimo...doravante evitar de enviar-e mensagens de teor de comédia. Continuarei para sempre te amando e repeitando"

Senti não haver espaço para reflexões. O mesmo ocorre com muitos homofóbicos, que interpretaram a cartilha como uma tentativa de incitar a homossexualidade infantil. Isso reflete algo que, apesar de totalmente ridículo e sem nexo, tem sido constantemente chamado de "ditadura gay".


Pode soar surreal, mas muitos reclamam de se sentirem "obrigados a gostar". Para mim parece muito óbvio que não há a intenção de catequizar ninguém à homossexualidade, assim como no feminismo não há a intenção de domínio feminino. A ideia é clara e indeturpável igualdade no respeito, nos direitos, no tratamento.

É muita forçação de barra dizer que se a homossexualidade for respeitada todos viram gay e acaba a espécie (o que já li escrito no face, refletindo a posição, discurso e temor de muita gente). Pensar em todos os indivíduos homossexuais, apesar de muito divertido, é tão surreal quanto pensar em todos hetero. E afinal, caso isso venha a ocorrer, já existe inseminação artificial! Esse receio é totalmente infundamentado.

Outros deixam a entender que o sexo deve ser destinado unica e exclusivamente para a procriação. Fico me perguntando o que eles pensam de tantos heterossexuais fazendo sexo sem esse fim, mesmo depois de casado. Aliás, se a instituição religiosa aceita casar casais hetero partindo do pressuposto que só farão sexo para reprodução, poderiam casar casais homo, partindo do pressuposto de que não farão sexo.

Uma visão um tanto conservadora, como a da cartilha. Mas, existem gays que de fato não estão para "zueira", e querem levar uma vida estável ao lado de quem amam. Assim como existem heteros que não estão interessados em constituir família, e são mais interessados em fazer sexo sempre que pensarem nisso, ou mesmo sem pensar, rs.

Mas, homossexualidade não é natural, muitos dizem. Será que não? Qual seria a definição do termo natural? Tomar refrigerante é "natural"? Pois bem, tem sido registrado e documentado diversos casos de relacionamento homo e bissexuais no reino animal, pode dar uma lida aqui ou aqui (apesar de ser wikipedia tem referências).

E então, qual é a desculpa para manter seu preconceito? Respeitar um homossexual não te torna homossexual, te torna apenas um humano mais decente.

Ps.: e-mail que citei:

"Assunto: Re: Porque surgiu a expressão "só podia ser mulher,"]

Caro amigo.
Peço antes de tudo que se ponha receptivo às minhas palavras.
Isso porque eu nasci, nesta encarnação num corpo feminino. Estamos em uma
época e sociedade que permite analisar a relação sexista existente.
Imagino que o propósito do e-mail seja divertir, por meio de uma piada. No
entanto, convém lembrar que a opressão se manifesta por meio de piadas.
Acredito que já tenhas ouvido pessoas dizerem que vivemos em uma sociedade
machista. E é sim, muito machista, não só por causa de piadas, mas pelo modo
de nos portarmos.
No vídeo todas as "cagadas" da mulher são perdoadas por sua beleza, pelo seu
corpo. Esse é um ponto de nossa sociedade machista que vê no corpo feminino
objeto de prazer ao homem, e é para isso que tem que servir. Esse pensamento
distribuído de modo sutil por meio de piadas, propagandas e revistas causa
muito sofrimento, entre diversas mulheres que não se encaixam nesse padrão.
Certamente, não deveriam se incomodar tanto por sua aparência material, como
nós espíritas sabemos que isso é um detalhe tão pequeno da qualidade humana,
mas viver na sociedade sem esse esclarecimento pode ser difícil.
O machismo vai além causando diversos outros incômodos. Sabia que a questão
do estupro é basicamente aceita pela nossa sociedade, e muitas vítimas são
levadas a se sentirem culpadas num verdadeiro conflito mental. E isso
porque, o corpo feminino foi feito para satisfazer e encantar ao homem.
O movimento feminista vêm realizando uma verdadeira batalha contra esse
pensamento padrão machista que oprime e traz tanto sofrimento. O machismo
afeta também aos homens que são muitas vezes impedidos de demonstrar seus
sentimentos de maneira livre e aberta.
Gostaria de te convidar a refletir sobre isso. Tem um blog que costumo ler e
foi o qual me alertou para essas questões. Antes eu acreditava que o
feminismo era um grupo de mulheres depravadas que queriam apenas fazer sexo
com todos os homens sem serem repreendidas. Bom, elas desejam essa
liberdade, mas a maioria delas reivindica o direito de não fazer sexo.
Basicamente, desejam direitos iguais. A liberdade de poder pensar e agir sem
pressão social.
Querido amigo, não quero lhe impor minhas convicção, apenas lhe convidar a
reflexão. Eu mudei minha visão ao conhecer o feminismo, e me sinto muito
melhor. Esse teu e-mail não é só uma piada, um vídeo bem humorado, ele
reforça um esteriótipo opressor e desnecessário.
Liberte-se desses esteriótipos. Eu penso que daqui algumas décadas meu netos
vão ficar tão estarrecidos diante uma propaganda de cerveja que usa
deliberadamente o corpo feminino como objeto de desejo, como nós ficamos
agora ao pensar que alguns justificavam a escravidão alegando que "negro não
tem alma".
Enfim, é isso. Tu sempre diz que estamos distante da perfeição e muito temos
o que melhorar, talvez a libertação de um machismo que ainda nem consegues
identificar seja algo a dedicar seu trabalho de transformação íntima.
Convido a leres esse blog:

http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2013/02/guest-post-resumo-de-uma-v
ida-aos.html


De alguém com conhecimento muito mais profundo e embasado sobre o feminismo
e como o machismo causa dor e sofrimento no mundo, do que eu.

Abraços,
segura de que esse e-mail jamais vai causar qualquer conflito entre nós,
pois acredite que não passarei a te rotular como um machista e julgar suas
falas, afinal, conheço a admirável pessoa que você é e o tanto que quero
aprender contigo."

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Impressões pré-EDEA.

Certo dia me encontrei com o seguinte gráfico
Fiquei pensando que desde que entrei no mestrado tenho visitado constantemente a "zona do pânico". A cada pânico superado me defronto com outras matérias (aliás, pq são chamadas de disciplinas?!), outros textos, outros autores, outras perspectivas mais assustadoras dos mesmos problemas, e lá vou eu novamente pra borda do círculo. Tanto tenho me habituada a andar por essas bandas que me confortar com meu conhecimento parece impossível.

Para ajudar, uma amiga surgiu na minha vida, como uma guia me conduziu naturalmente para próximo da educação ambiental (EA). Aí sim, minha estabilidade mental virou um caos. A cada sala com um educador ambiental que entro sou convidada a pensar criticamente, construir conceitos, e depois desconstruí-los, para então talvez construí-los novamente. Não necessariamente mais forte, convicto, sedimentado, mas mais problematizado.

Essa semana aconteceu o V-EDEA. Que começou na sexta passada com um encontro pre-edea do qual fez parte a Michele Sato e Alfredo Guilhermo Martin Gentini. A primeira questão posta por esse foi: como vocês abordariam a educação ambiental com megaempresários?

Eu, reconhecendo minha total ignorância na EA, fiquei bem quietinha fazendo piadas internas que relacionavam as palavras sequestro, tortura e sacos. Algo de muito mal gosto, confesso, mas não resisti de comentar baixinho com colegas próximos. Aquela pergunta pode ter gerado algum desconforto, não me lembro de respostas convictas. Ao passo que a roda foi conduzida a assistir a apresentação da Michele Sato.

Do que me lembro houve uma breve retomada na história da EA, que teria tido sua semente no movimento de contracultura de 1960. Ao que um amigo que admiro muito me destacou que esse movimento não seria formado pela população historicamente marginalizada, seriam uma classe média branca, de onde se destacam os futuros teóricos oriundos de uma elite. Essa observação não foi feita na apresentação. Me lembro de ela ter criticado o Black Bloc por não terem ideologia, nesse instante minha expressão congelou, ela teria dito isso mesmo? O amigo disse que não tinha ideologia explícita, o que ainda não me satisfez, pq eu acho que pode-se identificar nesse movimento um "conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas". De fato a articulação não é explícita, o que incomoda por serem uma resistência não conhecida nem controlada.

Ela então mostrou seu trabalho de campo, afirmando uma busca em 3 dimensões:
- epistemológica (estudos acadêmicos),
- práxis (através da militância) e
- axioma (desenvolvimento de valores éticos e morais).
Não estou apropriada desses termos tão cheios de "x", mas me parece um conjunto de ações interessantes para se preocupar um pesquisador!

Aí então algo constante em exposição de educadores que militam, ela esmiuçou alguns conflitos do Mato Grosso, e falou como quem diz as horas, que seus inimigos tem nome, sobrenome, CPF, e só para citar alguns que vocês conheçam ela escolheu Blairo Maggi. Todos lembraram do Eike Batista, mas poucos disseram.

Uma guria desabafou sentir desconforto na utilização desse termo (inimigos). Sabe, nós somos educados a não odiarmos, não fazer mal. Eu sinto isso, sinto essa pressão, essa confusão que me fez por muito tempo transformar revolucionários ativos em santidades divinas que falam doce, pondo de modo quase antagônico revolução e divindade. o Jesus que imaginei durante muito tempo tinha aquela cara meio bocó com que o pintam por aí, e esse Jesus imaginário, meio bocó, passivo e manso era o maior exemplo para se seguir. E na conversa paralela soube que na bíblia original pedia-se para que o Pai promovesse a liberdade da crueldade posta pelo inimigo, provavelmente os poderosos opressores da época. Esse termo foi traduzido para Satanás e mistificado.

Sato, reconhece que cada um tem uma história, não há problemas em a guria sentir essa limitação, mas ela já foi ameaçada de morte, já conheceu pescadores assassinados, já assistiu desapropriação de famílias que viviam da terra para expansão de gado e soja, e sim, esses caras que se beneficiam financeiramente disso não são seus amigos e ela não vê problema nenhum em declarar isso.

Outro guri comentou que deveria ser superada essa dicotomia: amigo/inimigo, bom/mau. Pois afinal, com o poder desses não faríamos nós o mesmo? Sato argumentou que não é uma classificação ingênua e romântica que ela faz, é um deixar claro, dar nomes. E pôs um slide com a frase que traduz a ideologia de Freire "quando a educação não é transformadora o sonho do oprimido é se tornar opressor".

Houve outro desabafo de um amigo que passou de bonde por uma favela pacificada enquanto uma carioca engajada lhe narrava que na pacificação centenas de crianças foram assassinadas pela PM e as famílias não puderam nem velar e enterrar seus corpos que sumiram na mão da corporação que protege o Estado. Sem entrar no mérito de bandido ou não, bom ou mau, estamos falando de crianças e não se chocar com uma notícia dessa é deplorável. Se identificando o inimigo é difícil promover alguma mudança, não identifica-los torna a tarefa impossível.

Eu penso como essa campanha velada, pintada de cor de rosa, que apela para que amemos a todos, só vejamos e falemos o bem, e nhe-nhe-nhé nos torna cumplices de uma opressão cotidiana, ou nos faz não querer enxergar as injustiças que ocorrem diariamente e nos impede de falarmos francamente sobre isso. Me lembro o trecho de um documentário que o ativista negro contava a seguinte história:

- Uma mãe negra, moradora da periferia, trabalha de doméstica numa zona nobre. Certo dia, seu filho não tem aula e ela pede para leva-lo ao serviço. Do ônibus os olhinhos da criança vão admirando a transformação da paisagem e sem se conter comenta "mãe, como esse bairro é bonito! as ruas são pavimentadas, existem jardins, praças, árvores, não há lixo acumulado nem esgoto correndo". A mãe responde "é por que esse é um bairro de rico". Ela não poderia ter respondido que esse é um bairro de branco? tendo em vista a porcentagem de negros nesse bairro e no dela?

O que vemos é um racismo velado. O que faz com que muitos digam com um sorriso no rosto, cheio de amor no coração que não existe racismo no Brasil. Que não existem algozes na injustiça social e ambiental cotidiana, e que a condição social é fruto unicamente de mérito e a crise ambiental culpa tua que deu descarga mais do que deveria.