segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Sai deste corpo que não te pertence

Não é nada fácil ser mulher nessa sociedade machista. Bom, não é nada fácil SER nessa sociedade, mas meu foco hoje é o pertencimento do meu próprio corpo. 

Seios
Eu não posso tirar a blusa em dia quente porque algum idiota resolveu sexualizar o meu seio. E então eu só posso mostrá-lo com o intuito de excitar um homem, qualquer uso além desse é reprovável por machistas. Até a amamentação pública é normalmente condenada (como bem colocado neste post da Lola), isso porque naturaliza o seio e rompe com o estigma sexualizado socialmente imposto.
Sou praticamente obrigada a usar sutiã para manter os seios atraentes sexualmente, conforme o padrão vigente. Tenros e empinados. Por mais que aperte, coce e possa estar associado a câncer de mama, o sutiã deve ser usado. Além do mais move uma indústria, aliás, o modelo atual tem patente americana...
O mais interessante é que os bicos devem ser cuidadosamente camuflados. Mesmo em biquínis, ao ponto de terem inventado uma merda de uma espuminha que fica molhada por dias, só para não corrermos o risco de mostrar que, diferentemente de uma Barbie, nosso seio tem bico. Bico de seio é vergonhoso e deve-se temer sua exposição. Eu não sei quem disse isso e tão pouco porque todos acataram, só sei que quando percebo que vou passar por isso sinto um desespero e tento alucinadamente disfarçar, me sinto realmente mal, como uma criminosa quando os bicos do meu seio ficam salientes. Não que eu ache exatamente feio ou ofensivo, mas é que é socialmente inaceitável.
E há uma rigorosidade na escolha do tamanho. Seios pequenos fogem do padrão exigido para despertar o desejo masculino. e como seios só existem para isso, devemos recorrer ao silicone ou (pasmem) sutiãs elétricos.
Sutiã dá choque para aumentar os seios


Roupas
Aqui a coisa fica realmente confusa e nebulosa para mim. Ao que tudo indica, devemos usar roupas curtas, como as modelos de revista, cantoras e atrizes de novela. Ouvi de uma senhora, que eu julgaria como conservadora de extrema-direita, a seguinte colocação "Você tem um corpo tão bonito, deveria aproveitar melhor ele, usar roupas mais curtas e decotadas. Com esse seu vestido fica parecendo uma crente".
Acontece que eu não me sinto lisonjeada quando meu interlocutor não consegue ouvir o que digo por estar contemplando meu decote. Eu me sinto invadida, ofendida, diminuída à objeto sexual, sinto raiva, me sinto oprimida e abusada. De acordo com os padrões sociais, eu não deveria me sentir assim, deveria me sentir poderosa, desejada. Mas não é o que acontece comigo.
O interessante é que quando a Nicole Bahls tem uma mão masculina enfiada contra a sua vontade entre suas pernas, ou quando alguém é estuprada, a culpa é da vadia que usava roupas tão provocantes... Eu realmente ainda não entendi se existe um limite que separa o decote perfeito do desejo e o decote que pede o abuso sexual.

Pelos
Não adianta, se você quer ser inserida na sociedade e ser respeitada, então você é obrigada a tirar seus pelos. Pelos femininos não devem existir, por mais que saibamos que eles existem. Não é uma opção deixá-los crescer. Se vc pensa que se depila só porque você quer, então deixe-os crescer ao menos uma vez, e vá a público. Não é vc quem decide o que fazer com seus pelos, amiga. 
Se homens podem decidir ter ou não barba, se existem homens com barba por fazer em cartazes sensuais de cinema o mesmo não ocorre conosco. Nesse curto documentário chamam a atenção de que sequer nas propagandas de depilação aparecem pelos!!!!
Pelos são censurados inclusive em propagandas de depilação
E esse é um detalhe tão inútil que é quase ridículo escrever sobre pelos. Mas, sim, nessa sociedade de imagem eles interferem em como você será vista e tratada. Vão cochichar, apontar, e comentar sobre seus pelos. Vão chegar ao ponto de criticar a Nanda Costa por não ter adotado a depilação da moda num ensaio fotográfico. E qual é a depilação da moda? Total, como criança, ou como a Barbie, não sei qual é desse fetiche. Se alguns alegam que é por higiene segundo um ginecologista (fonte): 

"Antigamente, depilava-se o corpo antes de uma cirurgia. Hoje, não se faz porque aumentam os focos de infecção na região depilada. Não há vantagens higiênicas. A depilação pode ser um fator de aceitação pessoal, mas não evita doenças. O pelo é um fator de proteção" 

Comportamento
Outra contradição, por mais que sejamos deliberadamente moldadas como objeto sexual não devemos fazer, muito menos gostar de sexo. Ainda que existam diversas revistas ensinando como se comportar na cama, como atender aos desejos masculinos, afinal é o que se espera de uma mulher, ao mesmo tempo existe a condenação das que fazem sexo. Como o caso da Fran, no qual o parceiro vazou um vídeo do ato sexual dos dois, e a garota foi terrivelmente ofendida pelos conservadores "tudo pela família" de plantão. 
Você tem a obrigação de fazer tudo na cama,
mas se souberem será chamada de vagabunda.
Se a sociedade tira padrões da cartola que limitam e causam sofrimento para todos, criança, animais, natureza, homens e mulheres, o padrões estipulados para as mulheres tem a função de servir aos desejos masculinos. Nos subjuga à objetos como se nosso passaporte para a existência dependesse de despertar o desejo sexual.
Corpo feminino sexualizado servindo como objeto de desejo.
Todas as imagens são ridículas, mas nas de cima temos a ilusão de que não são.
Me liberte e verás quem sou

Essa beleza artificial e forçada 
já não me impressiona mais. 
Quero pertencer a mim mesma.
Pare de me subjugar aos seus desejos
Me liberte dessa camisa de força.

Porque você não me escuta?
Porque você não me vê?
Eu existo e minha voz tem som,
independente de tudo.
Mas porque você só me vê 
quando visto salto alto?

Deixe-me livre 
e vamos falar do que realmente importa.
O meu corpo é tão somente
o que minha mente usa 
para se manifestar nesse mundo material.
Ele não sou eu.
Eu estou aqui, 
deixe de se concentrar no que você vê.
E então nos conheceremos.

Estou te esperando,
quando você chegar iremos conversar.
E você vai se surpreender
por tudo o que tem ignorado.
Você não vai mais ser você.
Vai ser tão livre quanto eu.

Quando você me libertar.

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