sexta-feira, 24 de maio de 2013

Liberdade de opressão

O CQC foi novamente alvo judicial de "politicamente corretos", dessa vez depois de expor o senso comum de que portugueses são racionalmente limitados.

Fonte: http://ryotiras.com/

Eu sempre achei frescura isso de "censurar" piadas. Minha família só se comunicava por meio de piadas, e tiração de sarro. Não tinha essa de não gostar "rasgou perdeu a razão". Eu sou a caçula, constantemente motivo de piadas. Também fazia muitas piadas, me considero boa nisso. Tirava sarro de todos, e todos tiravam de mim. Talvez isso tenha contribuído com minha insegurança e senso de inferioridade que muito me deprimiram na adolescência. Mas para mim isso era normal, legal, o modo de se relacionar com as pessoas. Maliciávamos tudo o que era dito, os típicos comentários "desculpa pôr (colocar) tudo", "desculpa (deixar) as bolas foras", etc eram comum com qualquer um em qualquer idade e tinha que ser esperto, se ligar e mandar uma resposta a altura. Era assim que funcionava.

Até que no cursinho, me apaixonei fui correspondida e comecei a namorar um gatinho. Passado o período de tudo lindo, comecei a notar que havia alguma coisa errada... Prestando bem atenção, vi que ele não ria quando era zoado. Ih... será que isso mostra a prepotência dele?  Orgulho, vaidade, se melindrava a toa? Os pensamentos não eram tão claros assim, eram mais sentimentos indefinidos. Passei a encarar um conflito interno. A minha posição era de que ele deveria mudar, mas para evitar embates passei a tentar evitar fazer chacotas com ele.

Na facul, passei a reparar que ninguém era tão malicioso quanto eu. No início me senti um máximo, sou a mais ligeira! Mas, o tempo foi passando, como uma observadora nata, fui observando, reparando como me sentia mal depois de zoar alguém em público. Reparei como o clima na casinha com meu namorado era melhor sem tiração de sarro. Até que, o ápice da minha transformação foi assistir ao documentário "O Riso dos Outros". UAU. Eu já vinha trabalhando eu mesma no sentido de maneirar nas piadas, me esforçar para nunca ofender ninguém, tratar os demais com o máximo de respeito. Não para ser louvada no reino dos céus, mas para deixar a vivência mais agradável, quando se sente respeitada a pessoa se sente mais a vontade, mais segura e expõe o melhor de si. Esse documentário me orientou demais. 

Alguns criticam que hoje tudo é bullying, antes todos tinham apelido, ninguém reclamava e eram felizes. Eram mesmo? No caso da minha família eu não cogitava nem a hipótese de questionar. Quando eu chorava era muito pior, eu aprendi a engoli, a ser "forte", a fingir uma felicidade por falta de opção, assumir um estado depressivo só afastaria ainda mais as pessoas me deixando ainda mais depressiva. É isso que pode deixar acontecer se não estivermos sempre atentos, nos transformarmos num "casca grossa" de miolo oco. 
Pus o documentário para meu pai, irmão e namorado assistirem, idealizando que tocassem a todos como tocou a mim. Em seguida debateríamos o tema, nos amaríamos e respeitaríamos em profundidade. Numa das primeiras cenas meu pai disse "ah, eu vou deitar, ver esse veado falando esse monte de abobrinha não dá"... Meu irmão ficou até o fim. Ele teve uma vida agitada depois de nossa convivência na infância, juventude. Morou no Uruguai, em Londres, passando perrengues inimagináveis. Tem uma cabeça bastante aberta e apesar de certas divergências consigo conversar com ele. Na Europa ninguém fica rindo a toa, zoando os outros, fazendo piadas de política, classes e etnias. Ele me disse, apoiando essa atitude.

Aqui não. Depois de comentar um post do Tas, dizer que me parece cruel zoar alguém e não aceitar nenhuma reação além de gargalhada e aprovação ele me respondeu: 
"Obrigado, Évellin, mas cruel mesmo para mim é a seriedade com que tratamos as coisas absolutamente triviais, como patrulhar piadas, enquanto o mundo desaba à nossa frente." 
Não sei se fui bem clara na minha argumentação. Respeito ao próximo não é nada trivial. Fortificar a ideia de rivalidade, de superioridade não é trivial, é quase uma tortura psicológica. Se por algum motivo nossa sociedade menospreza de maneira aberta sentimentos mais complexos, eu sinto muito, mas não significa que são triviais. Ainda mais nessa questão que envolve nacionalidades, relações diplomáticas, onde tudo interfere nas relações comerciais. A questão não é "patrulhar piadas", é buscar mudar um senso comum injusto e secular. Vocês sabiam que "gaúcho" era um termo pejorativo no Rio Grande do Sul, dado a uma grupo de excluídos  antes da farroupilha? Ademais, o Tas tem consciência de que o "mundo desaba na nossa frente" e fica fazendo piadas estereotipantes?!  Eu tenho consciência de que assuntos mais graves devem circular no sistema judiciário. Nesse sentido tenho duas colocações, uma é que deveria haver uma outra ferramenta para esse tipo de crime, e a outra é que não sejamos ingênuos minimizando a gravidade e profundidade do assunto. Tudo está interligado e tem um efeito em cadeia, ainda mais atualmente que pouco se entende de sentimentos. Opressão gera um mal estar, raiva, ódio, que pode se manifestar de outra forma, de maneira crônica, e não linearmente numa revolta dos portugueses que foram taxados de burros...

O ponto defendido na charge que o Tas postou e nas outras respostas foi o de que em Portugal se faz piada de brasileiros (?) Ai é que a coisa ficou totalmente obscura para meu modo de raciocínio, talvez pouco usual. Bem, então existem piadas que fortalecem a imagem de que brasileiras são putas, e por isso ganhamos o direito de fazer piadas que portugueses são burros?! Eu não entendi, quem defende esse argumento se ofende ou não com as piadas que brasileiros sofrem em Portugal? A sensação que fiquei é que as pessoas não apenas são preconceituosas, mas elas tem orgulho disso, e querem ter direito de serem e expressar todo seu preconceito, por mais que seja um preconceito supostamente de mentira, só para dar risada. Se o preconceito não existe, qual é a graça?

Por fim, imagino que devemos ter garantida nossa tão louvada liberdade de expressão, só não temos liberdade de opressão. O que é mais assustador ainda, chegamos no ponto em que é raro quem consiga conversar sem oprimir, sem ofender. É raro quem consiga falar em público sem ser processado. É raro quem consiga fazer humor sem usar os mesmos esteriótipos de centenas de anos. E é comum quem sinta falta disso e tenha que buscar auxílio psicológico.

Mas, imagino que a coisa vai mudando, a sociedade vai amadurecendo. Ideias comuns de outrora são encaradas como absurdos atualmente, pelo menos para a maioria das pessoas. E viva a metamorfose ambulante que eu mesma experimentei e relatei aqui! Vamos seguindo, aprimorando conceitos, refinando a relação e nos abrindo para as novas ideias e opiniões alheias!

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Sustentabilidade ambiental não existe sem justiça social

Venho pensando no meu blog, e como deve ser difícil para alguém segui-lo. Ora trato de questões ambientais, ora sociais, ora pessoais num vagar sem fim buscando sentido nisso tudo. Pensei em criar 7 blogs, um para cada coisa. Mas, como separar assuntos naturalmente integrados? Existe algum ambientalista que se preze negando que política e economia são fatores chaves que culminaram na atual crise ambiental? Não há como destrinchar a realidade e analisar os fatos pautado unicamente sob ponto de vista que nos interessa e do qual temos algum conhecimento, para assim podermos falar com propriedade e segurança.
Essa mania positivista (ou seria cartesiana) de separar para estudar ajudou, mas não se justifica mais. Hoje temos acesso a informação, e o melhor, informação compreensível e de qualidade. O que torna inaceitável o fato de alguém se alienar em seu estudo sem tempo de integra-lo à uma realidade mais complexa.
Notarmos que a extração de recursos está chegando (ou em alguns casos já passou) do seu limite nos faz questionar o que proporcionou isso. Porque cientistas da pesca alegam o eminente colapso de diversos estoques? Como e porque chegamos nesse ponto? Não tem sentido se focar apenas no estoque, o quanto reproduz, o papel trófico, qual a biomassa disponível para o outro nível... Essas informações são importantes, mas devem estar integradas com a política, que historicamente vinha fornecendo subsídios para aumentar a produção. E normalmente, desprendida da questão social, favorece a pesca industrial concentradora de renda, mas que deixa bonito o número referente a exportação. Para complicar ainda mais, as ONGs ambientalistas gritam "salvem as baleias".
Estudar a questão ambiental desprendida da social pode trazer graves consequências. Acho que esse ponto, que vivemos agora é de extrema importância para ditar o futuro da humanidade. Pelo pouco que li na matéria de educação ambiental podemos dividir o movimento ambientalista em diversas linhas, mas para mim parece ser possível distingui-lo em duas. Uma que visa solucionar problemas pontuais. Como produzir de maneira mais limpa, consumindo menos matéria-prima, menos energia, gerando menos resíduo e poluição, basicamente fornecer meios para manter eternamente o status quo. Outra linha que transcende a questão produtiva e questiona mais profundamente o sentido de manter esse sistema. Manter o sistema do jeito que está significa manter empregos, com salários distintos e desemprego e concentração de renda, e infelicidade e miséria, e consumo. Ainda, que esse consumo seja de um produto utópico que não gere poluição ambiental, ele gera desigualdade, injustiça, infelicidade, violência, degradação e exploração humana,  e não é isso que eu quero.
Essa divisão simplista de como vemos o mundo sempre existiu, desde que aprendemos a estocar. Mas, foi depois de um mergulho nas questões ambientais que comecei a apreciar a real importância da justiça social. Claro, que talvez, de maneira inata eu já convivesse com essa necessidade. Mas, depois da ditadura fomos convidados a viver uma vida superficial, tivemos a oportunidade de ignorar total e completamente as questões sociais para simplesmente nos preocuparmos com nosso sucesso pessoal. Eu tive o azar de não me importar muito com meu sucesso pessoal. Na verdade descobri que meu sucesso pessoal depende de uma sociedade justa e equilibrada, quisesse me tornar CEO de uma megacorporação, talvez pudesse ser mais fácil. Acho mesmo que o "asco" que passamos a alimentar por conversas sociais, política e o incentivo ao desenvolvimento de um ser individualista ao extremo e puramente materialista é herança da ditadura.
Estamos, enquanto juventude, nesse ponto. Analisando do meu ponto de vista, muito limitado. Não temos oportunidade de compreender o mundo, o sistema econômico, político, social. Pois nos perdemos em assuntos vagos e fúteis. Enquanto vamos friamente analisando o melhor modo de nos darmos bem, estudamos discretamente a roupa que a "vencedora" usa e a qual deveremos copiar (os frios). Outros vão meio perdido, sem apoiar nem se inserir no sistema, vão levando, com desinteresse apático tanto as questões que exigem maior profundidade quanto as estratégias necessárias para "vencer" (os mornos). Outros ainda, reconhecem que não se encaixam no perfil dos vencedores e com o tempo descobrem que não querem se encaixar, e passam a estudar "isso", estudar o sistema impulsionados por um forte sentimento de que algo não está bem, normalmente dedicam tanta energia nesse estudo que acabam "perdendo" o caminho necessário para conseguir um bom emprego (os quentes). São minoria, vistos como esquisitos pelos primeiros e se sentem esquisitos mesmo numa rodinha formada por "frios", não sabem o que dizer quando o assunto é a vida pessoal de uma outra pessoa que nem se quer está na roda. Ou seja, quase nunca sabem o que dizer, alguns não se assumem e buscam auxílio psiquiátrico. E atualmente quando se encontram com outros que compartilham de seus interesses deve haver cuidado mútuo, para não se revoltarem nem se deprimirem exacerbadamente. E uma vez que ainda não sabemos muito bem como nos organizarmos, acho que não sabemos nem conversar, o encontro não gera muitos frutos, além daquela esperançazinha de saber que não somos assim, tão esquisitos. Acho que esse grupo cresce silenciosamente, e ensaia algumas organizações como os Anonymous. Vamos ver no que vai dar.
O fato é que pensar que "é assim mesmo" e "nunca vai mudar", para tentar calar um incomodo profundo que comumente se manifesta como culpa "infundada" não ajuda muito. Também não ajuda nutrir raiva, seja por quem se aproveita do statuos quo, seja por quem não se envolve, pois essa raiva faz com que se perca o foco do que realmente importa: harmonia e respeito entre todas as relações humanas, consigo mesmo, com outros humanos, com outros serves vivos, com o meio ambiente, nas instituições etc.

domingo, 19 de maio de 2013

O feminismo e eu

É assim, uma coisa puxa a outra. Quem é inquieta e dinâmica, vai buscando e fuçando, pesquisando e aprendendo, lendo e pensando, sempre tentando aprimorar seu próprio sentido de humanidade. E isso depende de reconhecer a ignorância tão logo ela se desenhe em uma conversa, agarrá-la pelos cabelos e se meter num computador em busca de auxílio para, de uma primeira informação, buscar outra aprimorando sempre conceitos e ampliando o conhecimento.
Nascemos todos ignorantes de tudo, e o maior prazer da vida é esse jogo de identifica e mata essa ignorância. O que é o feminismo? Aos 12 ou 13 anos de idade eu e minhas amigas imitávamos as Spice Girls, catávamos com microfones de desodorante, dançávamos na frente da TV, fazíamos as mesmas poses das fotos, e nos sentíamos motivadas o bastante para ler algumas revistas. E ver a Geri, em especial, defendendo o Girl Power, e falando um pouco de feminismo. Se eu gostava das Spice Girls, e as Spice Girls eram feministas, então eu era feminista fim de papo.

Passou o tempo e meio sem saber muito bem o que era o feminismo, e como o machismo me oprimia segui minha vida. Lembro de uma conversa que teve na aula de coral sobre a marcha das vadias que teria em rio grande. Uma colega disse, ai que nome horrível, isso é a mulher se desvalorizando. Em outro momento meu namo, que eu considero naturalmente mais feminista do que eu disse, penso que se as mulheres querem lutar pelo direito de fazer sexo com todos sem serem rotuladas, como os homens, isso seria nivelar por baixo, não acho legal o feminismo, vocês são melhores que isso e lutarem para ser iguais é querer descer um degrau. Segui numa confusão mental, de fato não acho legal pensar num movimento que lute por oba-oba,  eu até posso acreditar que de fato todos tem direito de se relacionar como quiser, mas fazer um movimento só para isso? E meu irmão, a pessoa mais machista que conheço, e isso porque na minha família todos são machistas, diz que é um absurdo, perdeu isso de a mulher gostar de casa e dos filhos, ela não estão nem ai, assim não dá, etc.

Assisti à um documentário O Riso dos Outros, que me foi libertador em muitos aspectos, mas o que gostaria de destacar aqui é que em um trecho aborda sobre a "piada" do Rafinha Bastos. Ele diz que sempre que vê notícia de estupro a mulher é tão feia que o estuprador merece um abraço. Na época em que ouvi sobre essa piada passou batido, pois cresci num ambiente em que "perdia-se uma amizade mas não uma piada" (por isso o documentário foi tão libertador que sinto necessidade de um post só sobre isso). Mas o documentário se aprofundou e tratou o assunto com seriedade e eu fui convidada a saber mais sobre estupro e feminismo no blog da Lola.

Fonte: O Machismo Nosso De Cada Dia
Estamos imersos em uma sociedade ainda, machista e patriarcal que alimenta a cultura do estupro. Tendemos a culpabilizar a vítima do estupro, eu pensava assim. E ainda me pego tendo que ruminar alguns casos antes de expor minha opinião. O caso da Nicole Bahls do pânico deixou isso extremamente claro, foi praticamente unanime a pessoas que defenderam a ação do cara, porque a bonitona estava de mini-saia e fazia fotos sexuais, digo, sensuais. Ontem mesmo, uma amiga contou de uma história que a guria foi para um banho terapêutico, o rapaz disse para que ela tirasse a roupa (uma vez que ela tinha ganho o banho pois não tinha levado biquini para entrar na piscina termal com o pessoal), ela tirou e ele passou a mão nela (isso é considerado estupro), a outra colega disse "mas que trouxa, porque ela tirou". Essa foi a primeira reação instintiva dela, ela não disse "que cara escroto, porque ele fez isso". Somos levados a culpabilizar a vítima tanto que é mais comum ensinar as meninas a prevenir um abuso (não andar sozinha a noite, não dar papo para estranho, não usar essa roupa) do que ensinar os meninos a respeitarem, a não ficarem parecendo animais quando existe um decote por perto.

E já com esse olhar mais crítico, qual não foi a minha surpresa ao passar um tempo no Uruguai e perceber que lavar louça, cozinhar, alimentar o cachorro e limpar a casa é uma atividade única e exclusivamente feminina. No país o desemprego é mais acentuado do que aqui, e normalmente o homem tem mais facilidade para se empregar. Imagino que isso seja uma sorte, pois desconfio que as que tem emprego devem igualmente trabalhar no lar. Essa imposição rígida de tarefas é medonha. Meus pais são assim, mas ver casais da minha idade em que o marido chega, dá um beijinho, se senta no sofá, pede seu whiskey, e espera pelo jantar é um pouco desconcertante. Quando as meninas viram o Thiago lavando louça, me perguntaram, "ele te ajuda na sua casa" eu de modo muito machista respondi que sim. Pois na verdade ele não me ajuda coisíssima nenhuma, ele nunca me ajudou, nós dividimos democraticamente as tarefas. Parece ser óbvio que se existe uma mulher presente ela tem maior dever de lavar a louça e fazer a comida. Não entra na minha cabeça como tantos homens se mostram absolutamente incapazes de lavar a louça? Parece alguma síndrome, uma doença psiquiátrica, é como se pusesse em dúvida a masculinidade deles.

Outro tema que notei comum na causa feminista é a respeito do corpo feminino. Mulher é esculturalmente digna de comercial de cerveja, as outras "coisas" não são mulheres, são as que pensam. Pois o senso comum de que as vaidosas de academia, que cuidam do cabelo não podem se inteligente também impera. E esse corpinho, desenhado por Deus, tem o obrigação natural de satisfazer aos homens e foi para isso que ele chegou ao mundo, assim sendo, cenas de parto são repugnante, quanto mais machista o camarada, e jamais se amamenta em público. Pois os machistas de plantão não podem sonhar em associar o corpo feminino a qualquer outra coisa que não sexo. O que faz com que muitas mulheres machistas optem por cesária e algumas recusem amamentar. Minha vizinha, que eu nem sei o nome, um dia conversou comigo, com sua filha no colo. Disse que queria parto normal, mas depois ficou em dúvida e optou pela cesária. Ela narrou com um sorriso que seu marido lhe disse "ai que bom, assim você não estragou meu brinquedinho". Essa de associar mulher a corpo é motivo de infindáveis conflitos com quem tem que passar por mastectomia. Fomos criadas a depositar nossa feminilidade ao seio, teria então se tornado menos mulher quem passa por uma cirurgia dessa? Angelina Jolie, novamente sendo citada nos meus post, fez a cirurgia, pois teria alta probabilidade de apresentar câncer, como contra o qual sua mãe lutou por 10 anos. A atitude da atriz despertou diversas piadas infelizes...

Enfim, eu nem sequer cheguei a abrir um livro (ainda), mas minha ignorância sobre o feminismo está menos turva. Feminismo não são mulheres ávidas por sexo, que querem poder fazer muito sexo sem ser rotulada, é quase o contrário, a garantia do direito de recusar e o reconhecimento que esse processo precisa de ser uma decisão tomada a dois, sinceramente. Não é contrário de machismo, tentar dar mais poder ao homem, mas sim, a busca por um equilíbrio harmônico. Não é guerra dos sexos, existem louváveis homens feministas e infelizes (e ignorantes, como era o meu caso) mulheres machistas. Estou encontrando minha própria posição nos debates, e identificando atitudes machistas e opressoras. O que é muito empoderador. Sabe quando tem um comentário que de repente nos deixa mal sem nos darmos conta, o que na sua adolescência poderia desencadear uma crise depressiva?! Agora, com alguma informação posso identificar uma situação machista e me sinto mais segura de colocar meu ponto de vista numa atitude do tipo "aqui não, violão". Gostaria que todas as pessoas pudessem identificar e analisar o machismo em suas vidas, e provavelmente se libertar dele com um aberto sorriso nos lábios.  Aliás, os homens também devem se libertar do machismo, pois também os aprisiona em um comportamento padrão. Sair dos padrões pré-estabelecidos e agir de forma consciente consonante com suas próprias ideologias e não por uma imposição social é caminho certeiro para a felicidade e realização!

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A fé na reciclagem

A questão ambiental não é simples. Faz algum tempo que coço minha cabeça quando vejo diversos recipientes de lixo, com cores diferentes parecendo um arco-íris, cada um com seu saquinho plástico. Quando fiz estágio em uma "divisão do meio ambiente" era comum ver saindo por dia, por sala, 3 ou mais saquinhos, um contendo uma latinha, outro uma bola de papel, e outro o canudinho plástico! Foram produzidos e descartados ao menos 2 saquinhos com o intuito de diminuirmos nossa geração de lixo?! Esquisito.

Isso porque minha cidade é uma das poucas felizardas que apresenta coleta seletiva, o que é raro. E na cidade nem todos (acho mesmo que é minoria) reciclam seu lixo. E nós que separamos, não temos informação exata de como devemos proceder. Papel em contato com qualquer orgânico perde seu potencial de reciclagem? Devemos lavar embalagens plásticas e secá-las? Em locais que existe a odiosa separação por cores, onde ponho a caixinha tetrapak? Aliás, ela com restinho de suco que vai mofar será aproveitada? E por ai vai...

Resolvido o problema da separação, os resíduos recicláveis são levados a um galpão para serem (novamente) separados. Liguei, certo dia para a associação que faz esse trabalho, para perguntar se estavam recebendo o lixo da empresa do estágio. Obtive uma resposta enfática e desanimadora: "estamos, mas esse material não vale pra nada, eu já disse, não tem mercado para copo descartável e vocês só mandam copo descartável, para mim não ajuda em nada os resíduos daí". Assim, nessa triagem muito material vai para o aterro (nas cidades lindas como a minha que tem um aterro, se não é lixão), ou por não terem interessados ou por terem sido erroneamente condicionados.

Continuemos pensando no material, já bem reduzido, que a associação consegue vender por um preço questionável. Seguem para a reciclagem e passam por um processo que usa água, energia e gera poluentes, e via de regra não pode gerar o mesmo material, devem ser "rebaixadas" (downcycled). Garrafas viram vassouras ou tecido. Acredito que no caso dos metais a coisa é mais fácil, mais mercado, mais aproveitamento, lembremos que a mineração é um problema terrível, o metal não perde suas propriedades. Desconheço o caso particular de cada material, mas todos devem ter seus pontos fracos. O resíduo orgânico que para mim é o mais fácil e importante de reciclar, por compostagem, tem um destaque tão pequeno na conversa...

Não quero dizer, em absoluto que não adianta nada reciclar. Eu separo muito contente meu lixo. Essa separação auxiliou na diminuição de famílias em aterros e lixões, aqui em Rio Grande, ninguém mora no aterro, uma porque é longe e outra por causa do programa de coleta seletiva. Além do mais existe a porcentagem que é devidamente reciclada, poupando matéria-prima e um pouco de água e energia.

MAS, essa fé vendida de que a reciclagem resolve todos os nossos problemas me indigna, um pouquinho. O marketing em torno da reciclagem, está meio fora de moda, mas faz com que as pessoas pensem que isso é educação ambiental. Eu pensava isso até o ano passado, é o auge da ignorância ambiental essa confusão de pensar que sustentabilidade é pôr o plástico no cesto vermelho.

A reciclagem é uma medida de "fim de tubo". Ela é importante, mas não resolve muita coisa, é um analgésico. E devemos ter cuidado para que ela não atrapalhe mais do que ajude, que não deixe  a falsa sensação de que os problemas estão resolvidos. A possibilidade de todo material potencialmente reciclável ser reciclado é remotíssima, e mesmo que fosse ainda haveriam os não recicláveis, os que perdem suas propriedades, o consumo de água e energia, o transporte que é feito com combustível nada sustentável, entre outros entraves que não tenho conhecimento.

"Enfeite" de natal com reaproveitamento de resíduos.
E então, qual é o meu palpite? Reaproveitar? Para mim esse é uma outra desagradável armadilha, e também medida de "fim de tubo", balde que concerta goteira. Sinto meu estômago embrulhado ao ver a imensa árvore de natal feita de garrafa PET. Meu bairro, tradicionalmente, ano a ano, faz isso. Eu costumava me sentir mal por não gostar do enfeite, tão cheio de boa intenção. Mas, na verdade eu acho feio e me parece um culto ao refrigerante e ao plástico, uma adoração. É uma posição um tanto pessoal, eu confesso.

A reciclagem já deveria, obrigatoriamente, estar totalmente embutida no processo de fabricação. O que denominam "logística reversa" que já funciona para lâmpadas, pneus, etc, deveria também contemplar garrafa PET, sacos plásticos, se saiu da empresa algum resíduo ela deve ter algum sistema de entrada desse resíduo, ainda que seja a manutenção de um aterro no caso de não recicláveis. Sim, vai encarecer o
produto, não, na verdade, o produto vai se aproximar do seu custo real. Atualmente, quem paga pela reciclagem e destinação de lixo é a prefeitura, de uma cidade que nem tem fábrica. Dizer que é a prefeitura que paga significa dizer que a população vai ter menos qualidade em educação e saúde, para que a sujeira dos consumidores possa ser (mais ou menos) limpa e o lucro do fabricante seja mais alto. Ou seja, quem mais depende desses serviços básicos é que paga. Os pobres são convidados a levar uma vida ainda mais difícil, para que os não pobres consumam, e alguns ganhem muito dinheiro maximizando seu lucro.

Exemplo de "hobbie" gratuito.
O que nos leva à única solução: não comprar, ou pelo menos evitar ao máximo. Aliás, quase penso que essa seria a solução para todos os problemas da sociedade, violência, pobreza, desigualdade e por ai afora. É difícil mudar totalmente um modo de vida, eu escrevi difícil, não usei a palavra impossível porque diversas pessoas já fazem isso diariamente. Temos que paulatinamente buscar mudança nos nossos hábitos. Não é necessário renovar o guarda-roupa anualmente, não é necessário empacotar a compra em saquinhos plásticos, podemos comprar na feira local, usar transporte público uma vez por semana, percorrer pequenas distâncias a pé ou de bicicleta, plantar, adquirir hobbies gratuitos e muitas outras atitudes.

Uma mudança de hábitos implica em uma mudança de valores e conceito, ter plena consciência de que sua dignidade refere-se a valores menos materiais. A diminuição da compra nos levaria a realizar passatempo diferentes, como aprender outras atividades que dependessem menos de troca monetária e mais de aquisição de conhecimento e habilidades. Como aprender a fazer cerâmica, tocar algum instrumento, fazer teatro e repassar esse conhecimento, sem visar lucro.

A solução para o consumismo não deve circunscrever-se apenas em aumentar a eficiência energética dos sistemas produtivos, aumentar a reciclagem, de maneira a permitir que mais pessoas consumam mais. Temos um lançamento de Ipod por ano (estou chutando), temos óculos google revolucionário e temos pessoas que não conseguem comprar comida, a tecnologia não tem resolvido esses problemas, desconfio que não tenha nos deixados mais felizes e plenos! Tem algo errado, essa busca por mais tecnologia, mais produção e mais consumo parecem passatempos que desviam nossa atenção do que realmente importa, acabar com a condição degradante a qual muitas pessoas são constrangidas a enfrentar. Garantir que o ambiente tenha capacidade de prover, gratuitamente, condições de sobrevivência a todos os seres.

Recomendo: Story of Bottled Water que trata um pouco sobre consumo e reciclagem de garrafas de água, e  A Escalada da Desigualdade que mostra a tenebrosa desigualdade social nos EUA, nem imagino se esse gráfico fosse extrapolado para o mundo. Países como Bangladesh tem seu salário mínimo abaixo do que se considera linha da pobreza.