segunda-feira, 29 de abril de 2013

Goteira não se resolve com balde

Não consigo entender exatamente muito bem o que se pretende com a redução da maioridade penal. Ao que parece, houve um crime bárbaro (tipo destes que aparecem 789 vezes por semana na rede globo), só que dessa vez cometido por um menor de idade, e que portanto não poderia cumprir a pena máxima em nossos lindos presídios medonhos. Aqui cabe ressaltar que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê medidas socioeducativas punitivas que vão desde advertência até internação (que pode chegar a 3 anos) para os casos mais graves, e essa internação é consideravelmente desagradável, tenhamos certeza disso.

O crime (que eu faço questão de desconhecer) "chocou" a população que clama por "justiça", e acarretou manifestações pedindo a diminuição da maioridade penal. E o atual governador de sampa, passa a propor o aumento do período de internação, seria um "cima do muro" para a redução da maioridade penal, sem usar esses termos.

Os manifestantes argumentam que quem pode votar pode ser responsabilizado por seus crimes tal e qual um adulto. Esse argumento reside no fato de acreditarem que o adolescente está sob a tutela de lei especial por não saber o que está fazendo. Na realidade, o ECA prevê condições especiais à criança e ao adolescente por reconhecer que são seres humanos em desenvolvimento (embora todos sempre estejamos, ou deveríamos estar em desenvolvimento), essa é uma fase especial em que construímos uma noção de mundo e buscamos encontrar nossa posição nele. Em teoria as medidas socioeducativas previstas não buscam fazer vingança através do sofrimento do infrator, mas sim, ajuda-lo a reconstruir sua participação na sociedade para ações mais positivas, em teoria, deveria haver medidas de reinserção educacional, formação profissional, tratamento de dependência química...

Redução de maioridade infinita.
Outro argumento constante dos discursos dos defensores da redução trata de outros casos como a utilização de "laranjas" menores para acobertar criminosos que sofreriam uma punição maior. É fácil imaginar que existem pessoas de 14 anos que poderiam ser utilizadas para isso, inclusive pelos de 16. E que depois de reduzir ainda mais a maioridade, haveriam os de 12, e seguiríamos tapando o sol com a peneira.

O mais surreal dessa proposta é a fé que ela traz no sistema penitenciário brasileiro. Putz grila. Alguém em sã consciência pensa mesmo que isso diminui a criminalidade e nos faz andar mais seguros com nossos tênis nike pela city? Alguém pensa que depois de crescer em péssimas condições, em ter um conceito de si mesmo e de mundo tão desgastado a ponto de cometer crimes, o camarada condenado a x anos vai usar esse tempo, naquele lugar agradável que são as penitenciárias, para repensar suas atitudes e chegar a conclusão de que "ah não, a sociedade é tão linda, como estou arrependido de atentar contra esses cidadãos maravilhosos, que trabalham feito camelos, puxa vida". E ai então, o ex-detento, sempre tratado com o amor e carinho que só nossa sociedade é capaz de dar, vai buscar um emprego (não de gari porque é muito concorrido), nem de padeiro porque não sabe fazer pão... ele vai... sei lá, fazer vestibular. Fim da história.

Estatuto prevê direito à dignidade, lazer, cultura...
Sim porque isso não é ingenuidade, ingenuidade é a minha de pensar que o ser humano é dotado de capacidades inexploradas, e nasceu com uma necessidade dilacerante de receber e doar amor, e o meio e suas amargas experiências o tornam um ser desprovido de sentimentos. O que poderia ser amenizado com investimentos em infraestrutura, a ponto de dar opções a todos os jovens, de lazer, artes, e cultura. Aliás, o próprio ECA prevê que toda criança e adolescente têm direito à vida, à educação, à saúde, ao lazer, à cultura, ao esporte, à alimentação, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, a serem garantidos pelo Estado. (cumpra-se)

Muitos argumentam que vulnerabilidade social não é justificativa para o crime, e eu concordo nada justifica a violência (nem ser vítima de crime). Acontece que estatisticamente jovens que cometem crimes violentos estão em situação de vulnerabilidade social. Ainda que existe o caso de playboys que queimam mendigo (mas, nesse caso não há mobilização pela diminuição da maioridade penal). Sendo assim uma medida inteligente seria a atuação da causa do problema.

Não é através da construção de mais estradas que se resolve a questão da mobilidade urbana. Não é com medidas (negativamente) punitivas, egoístas, vingativas e imediatas que vamos melhorar nossa sociedade e acabar com problemas crônicos e complexos. Uma outra analogia para essa medida é resolver goteiras colocando um balde no chão.



Recomendo: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/cartilha_freixo_reducao_idade_penal.pdf

Só para constar mais uma coisinha. Quem assistiu ao filme Intocáveis deve ter ficado maravilhado. De fato é um filme muito tocante, de um negro, marginal que passa a ser assistente de um milionário tetraplégico, e encanta o ricaço com seu jeito despojado, simples e verdadeiro de ser. Muito lindo. No entanto, depois do filme, o negro, que na realidade é um árabe baixinho, escreve um livro sobre sua versão da história. "Você mudou a minha vida" mostra a vida de uma criança de Argel, que passa para a tutela de tios em Paris, e se cria sem nenhuma orientação "pisco-pedagógica" adequada. O livro espontâneo, aparentemente sincero e divertido, mostra como esse jovem, abandonado pelos país, constrói uma visão de total indiferença do mundo e reluta em respeitar conceitos como "propriedade", de tal forma que seus roubos parecem bastante coerentes com seu raciocínio. O interessante é notar que mesmo num país desenvolvido como a França, a ausência total de diálogo e educação adequada posterga desenvolvimento pleno do jovem protagonista. Que só passa a respeitar a "propriedade" ao conhecer intimamente um milionário tetraplégico que sabe-se Deus porque decidiu contratá-lo e respeitá-lo como o ser humano que ele sempre foi, apesar de seus rótulos pouco respeitáveis.

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