O crime (que eu faço questão de desconhecer) "chocou" a população que clama por "justiça", e acarretou manifestações pedindo a diminuição da maioridade penal. E o atual governador de sampa, passa a propor o aumento do período de internação, seria um "cima do muro" para a redução da maioridade penal, sem usar esses termos.
Os manifestantes argumentam que quem pode votar pode ser responsabilizado por seus crimes tal e qual um adulto. Esse argumento reside no fato de acreditarem que o adolescente está sob a tutela de lei especial por não saber o que está fazendo. Na realidade, o ECA prevê condições especiais à criança e ao adolescente por reconhecer que são seres humanos em desenvolvimento (embora todos sempre estejamos, ou deveríamos estar em desenvolvimento), essa é uma fase especial em que construímos uma noção de mundo e buscamos encontrar nossa posição nele. Em teoria as medidas socioeducativas previstas não buscam fazer vingança através do sofrimento do infrator, mas sim, ajuda-lo a reconstruir sua participação na sociedade para ações mais positivas, em teoria, deveria haver medidas de reinserção educacional, formação profissional, tratamento de dependência química...
Redução de maioridade infinita. |
O mais surreal dessa proposta é a fé que ela traz no sistema penitenciário brasileiro. Putz grila. Alguém em sã consciência pensa mesmo que isso diminui a criminalidade e nos faz andar mais seguros com nossos tênis nike pela city? Alguém pensa que depois de crescer em péssimas condições, em ter um conceito de si mesmo e de mundo tão desgastado a ponto de cometer crimes, o camarada condenado a x anos vai usar esse tempo, naquele lugar agradável que são as penitenciárias, para repensar suas atitudes e chegar a conclusão de que "ah não, a sociedade é tão linda, como estou arrependido de atentar contra esses cidadãos maravilhosos, que trabalham feito camelos, puxa vida". E ai então, o ex-detento, sempre tratado com o amor e carinho que só nossa sociedade é capaz de dar, vai buscar um emprego (não de gari porque é muito concorrido), nem de padeiro porque não sabe fazer pão... ele vai... sei lá, fazer vestibular. Fim da história.
Estatuto prevê direito à dignidade, lazer, cultura... |
Muitos argumentam que vulnerabilidade social não é justificativa para o crime, e eu concordo nada justifica a violência (nem ser vítima de crime). Acontece que estatisticamente jovens que cometem crimes violentos estão em situação de vulnerabilidade social. Ainda que existe o caso de playboys que queimam mendigo (mas, nesse caso não há mobilização pela diminuição da maioridade penal). Sendo assim uma medida inteligente seria a atuação da causa do problema.
Não é através da construção de mais estradas que se resolve a questão da mobilidade urbana. Não é com medidas (negativamente) punitivas, egoístas, vingativas e imediatas que vamos melhorar nossa sociedade e acabar com problemas crônicos e complexos. Uma outra analogia para essa medida é resolver goteiras colocando um balde no chão.
Recomendo: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/cartilha_freixo_reducao_idade_penal.pdf
Só para constar mais uma coisinha. Quem assistiu ao filme Intocáveis deve ter ficado maravilhado. De fato é um filme muito tocante, de um negro, marginal que passa a ser assistente de um milionário tetraplégico, e encanta o ricaço com seu jeito despojado, simples e verdadeiro de ser. Muito lindo. No entanto, depois do filme, o negro, que na realidade é um árabe baixinho, escreve um livro sobre sua versão da história. "Você mudou a minha vida" mostra a vida de uma criança de Argel, que passa para a tutela de tios em Paris, e se cria sem nenhuma orientação "pisco-pedagógica" adequada. O livro espontâneo, aparentemente sincero e divertido, mostra como esse jovem, abandonado pelos país, constrói uma visão de total indiferença do mundo e reluta em respeitar conceitos como "propriedade", de tal forma que seus roubos parecem bastante coerentes com seu raciocínio. O interessante é notar que mesmo num país desenvolvido como a França, a ausência total de diálogo e educação adequada posterga desenvolvimento pleno do jovem protagonista. Que só passa a respeitar a "propriedade" ao conhecer intimamente um milionário tetraplégico que sabe-se Deus porque decidiu contratá-lo e respeitá-lo como o ser humano que ele sempre foi, apesar de seus rótulos pouco respeitáveis.
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