terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Bairrismo gaúcho.

Esse é um tema polemico, delicado e controverso. Sobre o qual vou dissertar considerando apenas minha experiência pessoal e restrita ao contexto da cidade do Rio Grande.

Vim de São Paulo em 2007, para cursar oceanologia na FURG. Me estabeleci em um balneário quieto e tranquilo. Fui relativamente bem tratada e bem recebida. Entre os colegas de faculdade eu sabidamente me escapulia quando a conversa adquiria um tom bairrista. Ouvia frases como "antes de ser brasileiro, sou gaúcho" a qual dita em tom prepotente me arrepiava inteira, tamanho era o mal estar que me proporcionava que não conseguia aprofundar o tema. Imagino que grande parte dessas frases são sem fundamento algum, são senso comum encucado e repetido aos sete ventos.

Ainda é possível desfrutar da harmonia natural na praia. 
Entretanto, os anos foram passando, os invernos se tornaram mais amenos, e eu comecei a gostar do bairro, passei a me preocupar com a cidade. Ia para São Paulo todas as férias, e reparava nas pessoas, no modo de vida em cada lugar. Passei então a amar o bairro, já me identificava com o modo de vida tranquilo. Aos poucos fui reparando uma cultura gaúcha meio socialista, o que me agradou muito, aqui parece normal ser mais apegado a natureza do que às indústrias. Sem que me desse conta minha alma se tornava gaúcha. Não li nada sobre a história ou cultura regional, apenas observei, senti e ouvi.



Nascer do sol no mar. colhida do google.

Nesse meio tempo começou um papo esquisito de petróleo, pré-sal, plataformas e estaleiros. Sem que nos déssemos conta começaram notícias no jornal de investimentos milionários na cidade, geração de emprego, e plataformas saindo pelos molhes. Era um papo meio esquisito, mas eu não me aprofundava muito, preferia me focar nos estudos e no lazer, velejava pela lagoa, acampava no mato, começava a identificar estrelas e aves locais ia me tornando mais e mais pertencente. Mas, o trem seguiu andando, passei a notar rapazes de macacão fazendo compra no "super" e andando pelo bairro, ouvir reclamação dos colegas a respeito do preço do aluguel. Na minha formatura fui pesquisar uma pousadinha perto de casa, descobri que havia se tornado um superlotado alojamento. Enquanto isso o número de carros passando em minha rua aumentava em PG, muitos destes com som alto, invariavelmente funk. Pode parecer meio conservador, mas me preocupo com a falta de conteúdo dessas músicas da moda, elas não passam nenhuma mensagem.

Enfim, a coisa foi indo e mesmo assim resisti em sair do bairro na minha formatura, e como a oferta de emprego na cidade para minha área é de 1 vaga a cada 7 anos, engatei num mestrado. Foi um novo universo, apesar de ainda ser acadêmico não é alienado, e passei a me inteirar mais de diversos processos políticos e humanos. É como se acendessem a luz da razão num sentimento que crescia dentro de mim. Compreendi que crescimento econômico quase nada tem a ver com desenvolvimento social, até poderia vir a ter, mas não é o que acontece. E compreendi que questionar o sistema não faz de mim uma subversiva, vagabunda ou bagunceira (como parece pensar minha família - de militares paulista), compreendi que pelo contrário, não questionar faz de mim uma alienada que favorece a perpetuação dessa inversão de valores que temos visto, desse modo excludente e opressor de desenvolvimento.

Alojamento adaptado em antiga delegacia. Fonte ZH.
E foi depois de toda essa profunda transformação que abri um site do Zero Hora - Rio Grande transformada e fui compreendendo mais o tal bairrismo gaúcho, agora atende também por "choque cultural". Gera muito mal estar ver sua qualidade de vida escoando entre seus dedos, ver locais de lazer transformados em desajeitados dormitórios, ter trânsito, ter fila em mercado e restaurante, ser abordada por olhares indiscretos e desconfortáveis, começar a ter medo de andar sozinha a noite pela rua. E todo esse incômodo sem nenhum bônus, sem investimento em hospitais, sem melhoria de ensino, sem qualidade de transporte, e o pior com a construção de 2 shoppings centers, totalmente desconfigurados das aspirações da população tradicional. É de se esperar que os locais (e agregados) resistam em abrir um sorriso aos novos integrantes.

Embora seja ligeiramente injusto e enfraquecedor esse acolhimento pouco caloroso e essa gritante segregação cultural. Afinal, me colocando na posição desses trabalhadores, não é fácil sair de sua cidade, deixar sua família, os amigos do colégio, do bairro e vir para uma cidade ventosa, com um mar marrom e com hábitos esquisitos, sem samba, sem funk, sem mulher semi-nua se insinuando por aí, talvez eles tenham a necessidade de um CTC (centro de tradições cariocas, ou baianas conforme o caso). Nossos novos colegas foram constrangidos a deixar seus estados de origem, eles vem sendo historicamente marginalizados, culminando nessa migração inconsciente. E nossa fria recepção vai auxiliar no aumento de sua revolta, não contra os megaemprendedores que bolam estratégias mirabolantes para acumular mais riqueza.

A situação nessa cidade está caótica, mas a segregação não auxilia em nada. Devemos parar de nos referirmos aos de "macacão" de forma pejorativa, parar de olhar com desconfiança. Precisamos de alguma forma (nem imagino como) integrá-los na sociedade a ponto de passarem a amar o Cassino, como eu, e aspirar melhor qualidade de vida no bairro e na cidade. Para juntos, reivindicarmos melhores condições de trabalho, de alojamento, mais investimento em educação, saúde e transporte, e menos concentração de renda.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

PIB vs FIB

Tive há alguns dias a oportunidade de saber a história do Butão! É uma história fantástica, que se aproxima de um conto de fadas, tem montanha, rio, castelo, rei, e lição moral. Preparem-se...

Depois da 2ª guerra mundial a Europa estava um cacareco, elaborou-se então planos visando sua recuperação (Plano Marshall), como todo bom plano necessita de avaliação, adotou-se a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços num determinado período como medida de avaliação (o famoso PIB), números "graficáveis" de fácil visualização, quanto maior melhor, sem ter que pensar muito. A ideia era tão simples e tentadora que agradou muito, e mesmo depois de a Europa recuperada e mesmo fora dela o PIB tornou-se motivo de obsessão e passou a guiar todas as tomadas de decisão, em grande, pequena e média escala, salvo raríssimas excessões. Simplificando bastante as coisas, basta decidir por números, as políticas passaram valorizar iniciativas que gerassem lucro, tudo muito óbvio e poucas críticas, era o pensamento vigente, as pessoas optavam por ocupações mais rentáveis (monetariamente falando). Houve ranking de PIBs, para se saber em que país investir. E... um dos piores PIBs foi o do Butão, que ficou imediatamente caracterizado como um país miserável.
Um país miserável (imagem) com uma paisagem exuberantemente preservada, montanhas fantásticas, rios belíssimos, sua população dispõe de educação de qualidade, com práticas espotivas, sem desigualdade social, eles são dotados de valores éticos, morais e espirituais elevados, e se consideram muito felizes, apesar de "miseráveis". Estranhando essa contradição o, então rei do Butão, Jigme Singye Wangchuk pensou, meditou, estudou, consultou, deve ter ouvido o discurso do J. Kennedy de 1.968:

"Nosso Produto Interno Bruto, agora, é de mais de US$ 800 bilhões de dólares por ano. Mas nesse PIB estão contidos a poluição do ar, comerciais e publicidade de cigarro, e ambulâncias para limpar nossas carnificinas. Inclui fechaduras especiais para nossas portas e prisões para as pessoas as quebram. Ele inclui a destruição de sequoias e a perda da nossa maravilha natural em expansão caótica. Inclui a bomba napalm e ogivas nucleares e carros blindados da polícia para combater os tumultos em nossas cidades. Inclui rifles Whitman e facas Speck, e os programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos para nossas crianças. No entanto, o produto nacional bruto não garante a saúde de nossas crianças, a qualidade da sua educação ou a alegria de seu jogo. Não inclui a beleza de nossa poesia ou a força do nosso casamento, a inteligência do nosso debate público ou a integridade dos nossos governantes. Ele não mede nossa inteligência nem nossa coragem, nossa sabedoria, a nossa aprendizagem, nossa compaixão, nossa devoção ao nosso país. Ele mede tudo, em suma, exceto aquilo que faz a vida valer a pena. E ele pode nos dizer tudo sobre a América, exceto o motivo pelo qual temos orgulho de ser americanos"

e depois de pensar mais um pouco, o rei de nossa história, chegou a brilhante conclusão: não é o país que está mal, é o índice! E decidido a resolver o problema, passou a estudar outra forma de avaliar o desenvolvimento de seu reino. Foi em 1972 que, com apoio da população, fieis conselheiros e algo que vai além de nossa compreensão, instituiu o FIB - Índice de Felicidade Bruta.

Nessa época os demais países, no alto de seu importantíssimo PIB, talvez tenham desdenhado a nova ideia, muitos devem ter dito "isso não faz o menor sentido, felicidade não se mede", e continuaram obcecados em acumular riquezas e aumentar seu PIB, mais e mais. Algumas pessoas devem ter sido simpáticas a nova ideia, destas, umas podem ter sido taxadas de loucas de maneira tão insistente que preferiram abandonar de vez o modo "civilizado" de viver, e são muitas vezes ridicularizadas, outras apesar de continuarem no mundo do PIB continuaram vislumbrando a possibilidade de um FIB, e seguiram estudando, e pensando, esperando o dia em que poderiam ser ouvidas.

As coisas parecem estar mudando. Não digo isso apenas por conhecer dezenas de pessoas fartas desse sistema, e outras dezenas que preferem não pensar, pois tem algum preconceito contra quem questiona "o sistema", ou porque intimamente o assassinato de grandes almas (Kennedy e Gandhi) as tenham feito temer aspirar um novo mundo. Digo isso porque a limitação da capacidade de suporte do planeta já é notável para todos, e consequentemente uma mudança que nos trone mais sustentáveis é inevitável, e isso implica em uma revisão de valores. E digo principalmente porque ao longo dessas décadas em que travamos uma missão rumo ao aumento do PIB não diminuímos, significativamente, a pobreza ou a desigualdade social, enquanto os butaneses desfrutam décadas de aprimoramento pessoal, e passaram a inspirar uma crescente legião de teimosos que não estão satisfeitos e querem, ainda que piegas, um mundo melhor!

Fontes: http://www.felicidadeinternabruta.org.br/
http://felicidadeinternabruta.blogspot.com.br/
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/03/adotado-no-butao-indice-de-felicidade-interna-bruta-fib-ajuda-na-busca-por-um-novo-modelo-de-avaliacao-3685204.html
http://www.correiodosacores.net/view.php?id=1544
http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=215205

domingo, 20 de janeiro de 2013

Miopia Social - o mal de todos os males.

Aparentemente o cerne de problemas sociais são políticas públicas inadequadas. Era o que eu achava, que a culpa era de um Estado incapaz de investir de uma vez por todas em educação/cultura, não apenas construindo escola, mas bibliotecas, garantir acesso a internet e por ai afora. Na minha visão a educação resolve grande parte dos nossos problemas sociais. Uma educação digna e completa, onde as crianças carentes, em estado de vulnerabilidade social, pudessem desfrutar de aulas de música, dança, esporte, artes, filosofia. Isso, ao meu ver seria capaz de diminuir significativamente o envolvimento destas com drogas, e outras atividades menos dignas. Para mim, isso faz muito sentido, e eu relaciono a pobreza, a violência e outras poluições sociais à falta de cultura, que é privilégio de poucos. Não acho que o maior problema resida na desigualdade do capital, o dinheiro não deve ser a razão de tudo. Acho que o problema, no caso do Brasil, é que não se chega educação aos menos favorecidos. E o problema é que não é culpa exatamente apenas do Estado.
Tenho percebido a preocupação do governo em estabelecer medidas de inclusão. O problema é o plano sair do papel e enfrentar a realidade. E a realidade é que nossa sociedade está tão doente por ser povoada de míopes sociais.
Pessoas que se julgam boas, mas te olham de cima a baixo, analisam a roupa que você está usando, o contexto em que está inserida para então lhe dar o tratamento "adequado". Pensam que não cometer crimes e pagar impostos é o suficiente para serem considerados boas pessoas e excelentes cidadãos, sem considerar que isso não é mais que obrigação para o convívio civilizado. Os míopes pensam que o fato de algumas pessoas terem uma vida mais confortável nada mais é do que uma combinação de um pouco de sorte e muito esforço, e assim, ficam tranquilos em sua posição, quero dizer, tranquilos em sempre querer subir de posição sem se importar com os demais. Eles passam os dias se preocupando com o trabalho, bolando estratégias para se sobressaírem, com a aparência ou comprando, para poder mostrar isso para os demais e ganhar status. Desconfio de que ter pessoas com menor poder aquisitivo os deixe numa posição maior, e assim, consigam aceitar essa desigualdade com naturalidade.
Para mim é muito estranho pois eu acredito que essa desigualdade, essa opressão não é natural e nem saudável. E defendo investimento em infraestrutura de regiões periférica, algum míope social contra-argumenta:
- Não considero que a existência de melhor estrutura e oportunidade diminuiria a incidência em crimes. Acho que as pessoas são más e preguiçosas, e por isso optam pelo crime. Meus parentes vieram da Europa e trabalharam muito para crescer. Eles poderiam fazer o mesmo.
Esse argumento choca tanto vocês quanto chocou a mim? Uma criança que cresce em uma favela, num ambiente familiar instável, que frequenta uma escola feia e desinteressante, com contato diário com o crime como algo natural, sem acesso a locais da "alta sociedade" a qual a vê com desdém, noje e repulsa, que assiste na televisão um apelo diário ao consumo, com propaganda de itens que ela nunca viu, essa criança, tem alguma possibilidade de comparação com imigrantes europeus? Os quais vieram com educação e cultura consideráveis, fugidos de um período ruim, com ofício praticamente garantido.
Eu fiquei extremamente chocada com esse argumento, não é exagero dizer que dormi mal por algumas noites. Porque em minha visão ele explica porque a sociedade está tão ruim como está. E fiquei estarrecida em notar esse pensamento em tantas outras pessoas. Esse raciocínio faz com que além de as pessoas não cobrarem soluções, ainda desincentivem, ações sociais governamentais, reivindicando investimentos em ações mais elitistas.