segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Feliz Natal e breve retrospectiva

Cá estamos nós. Nessa louca e conturbada época do ano. Apesar de se confundir com um frenesi de consumo a data deveria na realidade exercer a função exatamente oposta. Uma vez que o foco é relembrar que Jesus mandou bem pra caramba em diversas ocasiões de sua vida. A ponto de inspirar os melhores sentimentos em seres humanos mesmo milênios depois de sua morte, ou nascimento no caso.

É sobre esse paralelo complexo que pretendo falar. Consumo frenético vs amor crístico. Não sei bem quem, ou como, me passou os primeiros ensinamentos morais, ou se foi algo inato. Mas, me faz muito sentido amar e respeitar o próximo como a si mesmo. Interessante é que em algum momento associei esse amor à pessoas pacíficas, de falar tranquilo, cheirosas e bem vestidas. E consequentemente, a desordem, a agressividade, a insubordinação me remetia à uma oposição a esse amor e justiça cristãos. Porque, como e quando aconteceu essa associação? Difícil saber.

Mas foi tão forte, que mesmo com meu irmão ouvindo Garotos Podres, e cantando a letra, ainda assim eu tinha certeza que ele estava fazendo algo errado, e não concordava que ele ofendesse o "bom velhinho", ele era velhinho, e tão bom, se alguém é mau e cospe nos outros só podia ser o meu irmão. Afinal, é fácil se chegar a essa conclusão quando seu irmão não é chegado em leituras, fala palavrão, é explosivo e boêmio.

O problema é que nesses nossos tempos tem sido cada vez mais difícil se manter na alienação. E no mestrado escorreguei para temas políticos e sociais, e depois de umas leituras e reflexões, passei a questionar conceitos arraigados. Muitas das pessoas que se encaixavam no meu padrão "exemplo a seguir" na realidade não se preocupam realmente com problemas sociais, não além da superficialidade confortável, exigida socialmente. Seu senso de justiça são normalmente fracos e deturpados. Falam de amor e compaixão ao próximo, mas ao serem questionadas sobre o elevado padrão de consumo atual baseado em trabalho escravo, apropriação dos recursos naturais e poluição (que prejudica muito mais os pobres), se esquivam e buscam argumentos inimagináveis com a finalidade de te desacreditar. Se questiona-se a propriedade privada então... ai o assunto fica tenso. Ainda que Jesus tenha posto esses questionamentos na mesa.

Por contrapartida, certos rebeldes, Rage Against the Machine, composições de RAP que eu outrora classificaria como perturbadoras da paz e harmonia (assim como meu irmão), trazem um profundo senso de justiça, que se revolta perante as barbáries sociais. Não barbáries produzidas de modo fútil para a manutenção da sociedade do espetáculo, mas a barbárie sistêmica. Ainda me incomodo com o som agressivo do metal ou RAP, mas as letras comumente (sem generalização) agregam mais, espiritualmente, do que cânticos religiosos.

Esse ano meu natal foi profundamente ressignificado. Graças a essas manifestações espontâneas e indignadas ao redor de todo mundo, foi impossível não questionar o que eu chamo de vandalismo, o que penso de destruição, violência e justiça. Eu que tive uma educação totalmente conservadora, que ainda me considero cristã me vi simpatizando com jovens que enfiaram estátuas sacras no cu (questionando a opressão sexual religiosa), que queimaram manequins (questionando a justiça - social e ambiental - dessa sociedade baseada no consumo), que queimaram bancos (esse sistema financeiro é o melhor que conseguimos? é bom pra quem?), que gritaram não vai ter copa (pessoas, a quem historicamente se tem negado, foram despejadas, agredidas para a construção de estádios de futebol de primeiro mundo, com verba pública capaz de revolucionar o SUS), que ocuparam espaços teoricamente públicos (causando "transtorno" para os que não foram despejados).

De fato, o mundo acabou em dezembro de 2012. Isso, que vemos iniciando nesse ano não é "normal". Isso é um convite explícito para que te dispas de certos paradigmas que, no momento, só serão capaz de promover desgraça. Pare de pensar como se crescimento econômico ilimitado fosse uma possibilidade porque não é. Ainda agora temos barbáries acontecendo, como a expulsão de indígenas em nome do crescimento econômico sem fim, e os condena ao suicídio coletivo. Como o caso do projeto de irrigação em Apodi. E inúmeras outras. Mas, para quem traz um pouquinho de altruísmo no peito, desejo

Árvore da coca-cola no México repaginada.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A ditadura GAY

O problema da homofobia, assim como o machismo, é que pessoas são diariamente agredidas de diversas formas, física e psicologicamente. Então, o assunto é sério e a luta justificada. Partindo desse ponto medidas são tomadas no sentido de buscar quebrar esse preconceito que gera repreensão/violência (no budismo mesmo o olhar pode ser violento). Com exemplo a cartilha divulgada em escolas alemãs.
Fonte: Folha Social
Só que a coisa não é tão fácil. Já reparei isso, há resistência em abrir mão de preconceitos, eu não entendo muito bem como funciona isso, mas é algo que me surpreende. Descobri essa característica quando o presidente da instituição religiosa que eu frequentava me encaminhava e-mails machistas, eu ingenuamente elaborei um e-mail para alertá-lo (ao fim da postagem), dizendo que mulheres sofrem por conceitos como aquele estarem sendo disseminados, ao que obtive a resposta

"no humor não há cultivo a qualquer tipo de discriminação...o principal preconceito é aquele que está arraigado em nosso intimo...doravante evitar de enviar-e mensagens de teor de comédia. Continuarei para sempre te amando e repeitando"

Senti não haver espaço para reflexões. O mesmo ocorre com muitos homofóbicos, que interpretaram a cartilha como uma tentativa de incitar a homossexualidade infantil. Isso reflete algo que, apesar de totalmente ridículo e sem nexo, tem sido constantemente chamado de "ditadura gay".


Pode soar surreal, mas muitos reclamam de se sentirem "obrigados a gostar". Para mim parece muito óbvio que não há a intenção de catequizar ninguém à homossexualidade, assim como no feminismo não há a intenção de domínio feminino. A ideia é clara e indeturpável igualdade no respeito, nos direitos, no tratamento.

É muita forçação de barra dizer que se a homossexualidade for respeitada todos viram gay e acaba a espécie (o que já li escrito no face, refletindo a posição, discurso e temor de muita gente). Pensar em todos os indivíduos homossexuais, apesar de muito divertido, é tão surreal quanto pensar em todos hetero. E afinal, caso isso venha a ocorrer, já existe inseminação artificial! Esse receio é totalmente infundamentado.

Outros deixam a entender que o sexo deve ser destinado unica e exclusivamente para a procriação. Fico me perguntando o que eles pensam de tantos heterossexuais fazendo sexo sem esse fim, mesmo depois de casado. Aliás, se a instituição religiosa aceita casar casais hetero partindo do pressuposto que só farão sexo para reprodução, poderiam casar casais homo, partindo do pressuposto de que não farão sexo.

Uma visão um tanto conservadora, como a da cartilha. Mas, existem gays que de fato não estão para "zueira", e querem levar uma vida estável ao lado de quem amam. Assim como existem heteros que não estão interessados em constituir família, e são mais interessados em fazer sexo sempre que pensarem nisso, ou mesmo sem pensar, rs.

Mas, homossexualidade não é natural, muitos dizem. Será que não? Qual seria a definição do termo natural? Tomar refrigerante é "natural"? Pois bem, tem sido registrado e documentado diversos casos de relacionamento homo e bissexuais no reino animal, pode dar uma lida aqui ou aqui (apesar de ser wikipedia tem referências).

E então, qual é a desculpa para manter seu preconceito? Respeitar um homossexual não te torna homossexual, te torna apenas um humano mais decente.

Ps.: e-mail que citei:

"Assunto: Re: Porque surgiu a expressão "só podia ser mulher,"]

Caro amigo.
Peço antes de tudo que se ponha receptivo às minhas palavras.
Isso porque eu nasci, nesta encarnação num corpo feminino. Estamos em uma
época e sociedade que permite analisar a relação sexista existente.
Imagino que o propósito do e-mail seja divertir, por meio de uma piada. No
entanto, convém lembrar que a opressão se manifesta por meio de piadas.
Acredito que já tenhas ouvido pessoas dizerem que vivemos em uma sociedade
machista. E é sim, muito machista, não só por causa de piadas, mas pelo modo
de nos portarmos.
No vídeo todas as "cagadas" da mulher são perdoadas por sua beleza, pelo seu
corpo. Esse é um ponto de nossa sociedade machista que vê no corpo feminino
objeto de prazer ao homem, e é para isso que tem que servir. Esse pensamento
distribuído de modo sutil por meio de piadas, propagandas e revistas causa
muito sofrimento, entre diversas mulheres que não se encaixam nesse padrão.
Certamente, não deveriam se incomodar tanto por sua aparência material, como
nós espíritas sabemos que isso é um detalhe tão pequeno da qualidade humana,
mas viver na sociedade sem esse esclarecimento pode ser difícil.
O machismo vai além causando diversos outros incômodos. Sabia que a questão
do estupro é basicamente aceita pela nossa sociedade, e muitas vítimas são
levadas a se sentirem culpadas num verdadeiro conflito mental. E isso
porque, o corpo feminino foi feito para satisfazer e encantar ao homem.
O movimento feminista vêm realizando uma verdadeira batalha contra esse
pensamento padrão machista que oprime e traz tanto sofrimento. O machismo
afeta também aos homens que são muitas vezes impedidos de demonstrar seus
sentimentos de maneira livre e aberta.
Gostaria de te convidar a refletir sobre isso. Tem um blog que costumo ler e
foi o qual me alertou para essas questões. Antes eu acreditava que o
feminismo era um grupo de mulheres depravadas que queriam apenas fazer sexo
com todos os homens sem serem repreendidas. Bom, elas desejam essa
liberdade, mas a maioria delas reivindica o direito de não fazer sexo.
Basicamente, desejam direitos iguais. A liberdade de poder pensar e agir sem
pressão social.
Querido amigo, não quero lhe impor minhas convicção, apenas lhe convidar a
reflexão. Eu mudei minha visão ao conhecer o feminismo, e me sinto muito
melhor. Esse teu e-mail não é só uma piada, um vídeo bem humorado, ele
reforça um esteriótipo opressor e desnecessário.
Liberte-se desses esteriótipos. Eu penso que daqui algumas décadas meu netos
vão ficar tão estarrecidos diante uma propaganda de cerveja que usa
deliberadamente o corpo feminino como objeto de desejo, como nós ficamos
agora ao pensar que alguns justificavam a escravidão alegando que "negro não
tem alma".
Enfim, é isso. Tu sempre diz que estamos distante da perfeição e muito temos
o que melhorar, talvez a libertação de um machismo que ainda nem consegues
identificar seja algo a dedicar seu trabalho de transformação íntima.
Convido a leres esse blog:

http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2013/02/guest-post-resumo-de-uma-v
ida-aos.html


De alguém com conhecimento muito mais profundo e embasado sobre o feminismo
e como o machismo causa dor e sofrimento no mundo, do que eu.

Abraços,
segura de que esse e-mail jamais vai causar qualquer conflito entre nós,
pois acredite que não passarei a te rotular como um machista e julgar suas
falas, afinal, conheço a admirável pessoa que você é e o tanto que quero
aprender contigo."

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Impressões pré-EDEA.

Certo dia me encontrei com o seguinte gráfico
Fiquei pensando que desde que entrei no mestrado tenho visitado constantemente a "zona do pânico". A cada pânico superado me defronto com outras matérias (aliás, pq são chamadas de disciplinas?!), outros textos, outros autores, outras perspectivas mais assustadoras dos mesmos problemas, e lá vou eu novamente pra borda do círculo. Tanto tenho me habituada a andar por essas bandas que me confortar com meu conhecimento parece impossível.

Para ajudar, uma amiga surgiu na minha vida, como uma guia me conduziu naturalmente para próximo da educação ambiental (EA). Aí sim, minha estabilidade mental virou um caos. A cada sala com um educador ambiental que entro sou convidada a pensar criticamente, construir conceitos, e depois desconstruí-los, para então talvez construí-los novamente. Não necessariamente mais forte, convicto, sedimentado, mas mais problematizado.

Essa semana aconteceu o V-EDEA. Que começou na sexta passada com um encontro pre-edea do qual fez parte a Michele Sato e Alfredo Guilhermo Martin Gentini. A primeira questão posta por esse foi: como vocês abordariam a educação ambiental com megaempresários?

Eu, reconhecendo minha total ignorância na EA, fiquei bem quietinha fazendo piadas internas que relacionavam as palavras sequestro, tortura e sacos. Algo de muito mal gosto, confesso, mas não resisti de comentar baixinho com colegas próximos. Aquela pergunta pode ter gerado algum desconforto, não me lembro de respostas convictas. Ao passo que a roda foi conduzida a assistir a apresentação da Michele Sato.

Do que me lembro houve uma breve retomada na história da EA, que teria tido sua semente no movimento de contracultura de 1960. Ao que um amigo que admiro muito me destacou que esse movimento não seria formado pela população historicamente marginalizada, seriam uma classe média branca, de onde se destacam os futuros teóricos oriundos de uma elite. Essa observação não foi feita na apresentação. Me lembro de ela ter criticado o Black Bloc por não terem ideologia, nesse instante minha expressão congelou, ela teria dito isso mesmo? O amigo disse que não tinha ideologia explícita, o que ainda não me satisfez, pq eu acho que pode-se identificar nesse movimento um "conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas". De fato a articulação não é explícita, o que incomoda por serem uma resistência não conhecida nem controlada.

Ela então mostrou seu trabalho de campo, afirmando uma busca em 3 dimensões:
- epistemológica (estudos acadêmicos),
- práxis (através da militância) e
- axioma (desenvolvimento de valores éticos e morais).
Não estou apropriada desses termos tão cheios de "x", mas me parece um conjunto de ações interessantes para se preocupar um pesquisador!

Aí então algo constante em exposição de educadores que militam, ela esmiuçou alguns conflitos do Mato Grosso, e falou como quem diz as horas, que seus inimigos tem nome, sobrenome, CPF, e só para citar alguns que vocês conheçam ela escolheu Blairo Maggi. Todos lembraram do Eike Batista, mas poucos disseram.

Uma guria desabafou sentir desconforto na utilização desse termo (inimigos). Sabe, nós somos educados a não odiarmos, não fazer mal. Eu sinto isso, sinto essa pressão, essa confusão que me fez por muito tempo transformar revolucionários ativos em santidades divinas que falam doce, pondo de modo quase antagônico revolução e divindade. o Jesus que imaginei durante muito tempo tinha aquela cara meio bocó com que o pintam por aí, e esse Jesus imaginário, meio bocó, passivo e manso era o maior exemplo para se seguir. E na conversa paralela soube que na bíblia original pedia-se para que o Pai promovesse a liberdade da crueldade posta pelo inimigo, provavelmente os poderosos opressores da época. Esse termo foi traduzido para Satanás e mistificado.

Sato, reconhece que cada um tem uma história, não há problemas em a guria sentir essa limitação, mas ela já foi ameaçada de morte, já conheceu pescadores assassinados, já assistiu desapropriação de famílias que viviam da terra para expansão de gado e soja, e sim, esses caras que se beneficiam financeiramente disso não são seus amigos e ela não vê problema nenhum em declarar isso.

Outro guri comentou que deveria ser superada essa dicotomia: amigo/inimigo, bom/mau. Pois afinal, com o poder desses não faríamos nós o mesmo? Sato argumentou que não é uma classificação ingênua e romântica que ela faz, é um deixar claro, dar nomes. E pôs um slide com a frase que traduz a ideologia de Freire "quando a educação não é transformadora o sonho do oprimido é se tornar opressor".

Houve outro desabafo de um amigo que passou de bonde por uma favela pacificada enquanto uma carioca engajada lhe narrava que na pacificação centenas de crianças foram assassinadas pela PM e as famílias não puderam nem velar e enterrar seus corpos que sumiram na mão da corporação que protege o Estado. Sem entrar no mérito de bandido ou não, bom ou mau, estamos falando de crianças e não se chocar com uma notícia dessa é deplorável. Se identificando o inimigo é difícil promover alguma mudança, não identifica-los torna a tarefa impossível.

Eu penso como essa campanha velada, pintada de cor de rosa, que apela para que amemos a todos, só vejamos e falemos o bem, e nhe-nhe-nhé nos torna cumplices de uma opressão cotidiana, ou nos faz não querer enxergar as injustiças que ocorrem diariamente e nos impede de falarmos francamente sobre isso. Me lembro o trecho de um documentário que o ativista negro contava a seguinte história:

- Uma mãe negra, moradora da periferia, trabalha de doméstica numa zona nobre. Certo dia, seu filho não tem aula e ela pede para leva-lo ao serviço. Do ônibus os olhinhos da criança vão admirando a transformação da paisagem e sem se conter comenta "mãe, como esse bairro é bonito! as ruas são pavimentadas, existem jardins, praças, árvores, não há lixo acumulado nem esgoto correndo". A mãe responde "é por que esse é um bairro de rico". Ela não poderia ter respondido que esse é um bairro de branco? tendo em vista a porcentagem de negros nesse bairro e no dela?

O que vemos é um racismo velado. O que faz com que muitos digam com um sorriso no rosto, cheio de amor no coração que não existe racismo no Brasil. Que não existem algozes na injustiça social e ambiental cotidiana, e que a condição social é fruto unicamente de mérito e a crise ambiental culpa tua que deu descarga mais do que deveria.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A limpeza étnica e social

Balneário Cassino... o pouco que sei o balneário foi constituído para ricos usarem da hidroterapia, segundo meu professor de história havia a recomendação de 3 imersões totais pela manhã, às 6 horas da manhã. Havia bonde para trazer a elite, construiu-se nobres hotéis para atender o nobre público.

Atualmente, a estação de trem virou um museu esporádico, que às vezes abre no verão. O bairro, quando me mudei em 2007 era composto basicamente de estudantes e aposentados (alguns dos quais, imagino, com ares de antiga realeza), e tinha algumas lojinhas e restaurantes que em sua maioria abriam apenas no veraneio.

Por essa mesma época, Rio Grande recebeu a "grandessíssima oportunidade" de receber um pólo naval, capaz de sacudir a cidade e trazer a palavra tão querida desenvolvimento. Acontece que ou não sabem ou não querem saber que o que os tomadores de decisão chamam de desenvolvimento é na verdade crescimento. E então, fomos obrigados a assistir um dia após o outro a chegada de ônibus recheados pessoas em busca de uma boa oportunidade de emprego (mas, que na realidade são constrangidos a atuar como mão de obra barata oriunda da periferia de outros estados). Esses camaradas foram obrigados a dividir um quarto entre dez, e nós, pacatos cidadãos pudemos assistir os valores dos alugueis e imóveis triplicarem, obviamente sem nenhuma melhora na infraestrutura. Estrada perigosa, um mísero postinho de saúde, 2 escolas pequenas e precárias, ausência de rede de esgoto, transporte público caro e ineficiente e por aí a fora. Ou seja, um baita desenvolvimento.

Mas o show tem que continuar. E Rio Grande, crescendo como está atraiu para a nossa grande sorte e alegria (sqn) dois shoppings centers. E sabe como é, temos que repensar a cidade. Vista para o mar é algo que cativa. Uma das famílias que explora a cidade, digo que gera empregos, tem um terrenão na beira do mar dando sopa, já foi parque de diversões, já teve aqueles espaços de verão, é usado anualmente para a grande festa de iemanjá que atrai visitantes de todo o estado (uma classe de visitantes não muito bem vista pela elite). Por ali também funciona uma rodoviária que pessoas de baixa renda usam para se locomover. Para "valorização" (puramente econômica)  da região essa rodoviária já está sendo mandada para longe.

E segundo o presidente da ONG Nema, em 2011 o plano diretor do município foi alterado. Veja, havia um grupo de mais de 20 instituições trabalhando nesse plano, quando uma reunião a portas fechadas, composta por alguns membros desse conselho, alterou o plano (sem o consentimento das instituições que vinham trabalhando nele), e qual foi a alteração? Bem, se antes só se permitiam prédios de 4 andares na beira da praia, hoje podem-se erguer grandes edifícios de 16 andares. Mas, calma, apenas na região "polo 2", justamente onde por grande sorte do destino nossa querida família Guanabara tem o seu terreno!

E então, depois de 3 grupos projetarem CINCO PRÉDIOS DE 16 ANDARES NA BEIRA DA PRAIA, e divulgarem em imobiliárias, e colocarem outdoor  no terreno com contato (possivelmente estudando o mercado) houve ontem uma audiência pública, muito mau divulgada. E lá fui eu...

Ouvir que o cassino vai ter a oportunidade de ver um prédio moderno, com estudo paisagístico. E que haverão 600 vagas e mais de 1.000 moradores. Aberto para intervenção, as dúvidas iniciais foram sobre o esgoto, uma vez que o esquema em todo o bairro (com exceção de duas ruas) é por fossas. Segundo o empreendedor haverá ligação com a estação de tratamento, o que muito nos estranha, pois segundo uma moradora contemplada com esse tratamento disse que seu primo que mora a meia quadra da rede procurou a corsan, dizendo que pagaria a instalação necessária e obteve a resposta de que não seria possível ter seu esgoto tratado. Questionou-se também como seria o abastecimento de água e energia, uma vez que é muito comum haver interrupção destes. Num dos comentários o empreendedor disse que não cabe a eles resolverem esse problema. Acontece meu amigo, que se não há a possibilidade de atender o que já está o que dirá enfiar mais 1000 pessoas.

Diria eu que 99% dos presentes estavam extremamente descontentes com o empreendimento. Houve nas manifestações referências ao fato de que, usando um marketing da apresentação, o prédio seria o céu dos moradores e o inferno dos cassinenses. Isso porque quem mora a 40 anos aqui e está acostumado a abrir a janela do segundo piso e ver o mar, vai agora ter a oportunidade de ver uma moderna parede. Quem surfa, caminha, anda ou pedala pela praia vai poder ver de qualquer lugar o belíssimo empreendimento, que vai fazer uma sombra monstruosa na já tão fria praia. Além de canalizar o vento e oprimir os transeuntes, mas segundo o empreendedor, até as árvores estão acostumadas, quando uma cresce mais faz sombra, e elas convivem harmoniosamente, oras.

Os corretores também se manifestaram, quando muitos questionaram o valor dos imóveis que seria para poucos e em nada iria resolver o deficit habitacional da cidade, que está tenebroso, como disse, os aluguéis caríssimos proibitivos para quem vive com um salário mínimo. A resposta foi "não sejamos ingênuos, essa área tem um valor maior", a corretora ainda disse que estávamos (nós que nos opomos ao empreendimento) sendo egoístas, pois já temos nossa residência e tem muito estudante que a procura para comprar algum imóvel (possivelmente não no valor de 400.000 reais, mas enfim). E uma sra megablaster reacionária ainda disse que esse empreendimento traria oportunidade de emprego para os que não tem educação para serem mais do que faxineiros mesmo. Bem, a oposição não é exatamente de que se construa novas moradias (embora esse inchaço não esteja sendo nada positivo), que se fizessem prédios menores, como os que já pululam no bairro, ou afastados do mar. Mas, se apropriar da praia, da vista dessa forma?! Qual o ponto mais positivo do Cassino que não sua atmosfera tranquila? Agora um alô para reacionaríssima amiga do HU...

Minha senhora, se tu e uns tantos pensam que remover a rodoviária e criar uma atmosfera hostil vai fazer com que os não herdeiros (ou pobres) fiquem afastados, quietinhos em suas casas, que aceitem pacificamente sua exclusão, e venham apenas para trabalhar, em péssimas condições como já ouvi inúmeras queixas, nos caixas do super guanabara, ou fazer a faxina no prédio guanabara, ou recolher o coco do cachorro da sra e de suas amigas, me desculpe, mas acredito que a sra vive num mundo que não existe.
Favelização semelhante marca a história de toda nossa costa, tendo morado no Rio de Janeiro a sra deveria saber. E o resultado é apenas o óbvio aumento da violência. E pode erguer muro, colocar cerca elétrica, câmaras, segurança particular, chamar o diabo, nada adianta. Porque é um cenário de exclusão construído para isso. Pensar num bairro zoneado entre ricos com acesso a infraestrutura e pobres (que, meu deus, vocês que reclamam das ruas do cassino, já andaram no querência depois de chuva?!) e pensar que a única relação pacífica será o agradecimento pela oportunidade de servir de mão de obra é NOJENTO.

ps.: a audiência pública foi de caráter consultivo. ou seja, cerveja!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A depressão feminina

Nós mulheres somos reconhecidamente mais sensíveis. Mulheres choram. Ah! é porque temos um coração puro. A partir da adolescência temos mais propensão à depressão. E somos campeãs na tentativa de suicídio.

A explicação fácil vem embrulhada num papel de presente. Sabe, é natural. São nossos hormônios. É a TPM, ou seria devido a ausência dos neurônios?

100% de todas as mulheres que consultei direta ou indiretamente não estão satisfeitas com seu corpo. E eu me incluo nessa estatística, não exatamente por não estar satisfeita, mas desde que me tornei vegetariana, uns 5 quilos se sublimaram do meu corpo, e por mais que eu coma feito uma louca  não há meio de fazê-los retornarem (e como inclusive chocolate e alimentos refinados não saudáveis, os quais eu gostaria de evitar, mas como estou tentando engordar para o verão consigo devorar uma barra de chocolate em alguns minutos, algo absolutamente nojento para a minha filosofia de vida). E repito, tanto faz como tanto fez para mim, eu me sinto bem assim, o problema é que só de pensar que irei encontrar minha família no natal e que antes (de emagrecer) a primeira coisa que me diziam era "como você está magra!", em tom de aprovação, e esse comentário era repetido mais do que eu gostaria, fico imaginando o quanto terei de ouvir agora, que se pode ver os ossos do meu ombro e externo... Me dá pânico, pensar em ouvir repreensões, o pior, a crítica a minha dieta, que me deixa tão feliz comigo mesma... Esse conflito bobo me desanima a ponto de por vezes pensar em passar o natal e virada de ano longe, a ponto de passar alguns minutos olhando o guarda-roupas pensando o que posso vestir para não passar calor mas deixar minha magreza passar desapercebida.

E esse constante conflito interno me faz querer subir pelas paredes quando ouço mulheres lindas se auto desaprovando, se considerando gordas. Pensei então, que por mais que milagrosamente que engordasse, não seria exatamente onde se expõe meus ossos pontudos que se concentraria a gordura adicional, seria na barriga, na buzanfa e eu seguiria fora do padrão inalcançável de beleza feminina.

Essa ditadura que impõe a uma mulher que jamais se satisfaça realmente com seu corpo, seu cabelo, seus pelos, suas rugas, seu comportamento, seus desejos é certamente muito mais responsável pela histeria, sensibilidade, irritabilidade, depressão femininas do que qualquer variável biológica.

E impor essa reação como algo natural da mulher é ainda mais cruel.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

você é mil reais legal

economicismo.

Não sabemos o valor de nada, mas sabemos o preço de tudo. O custo do serviço ambiental dos oceanos é de 2 trilhões de dólares! Ainda estou tentando entender o que significaria isso. Acho que seria como dizer: gosto 300 mil reais de você. Penso que analisar as coisas em valores e gráficos é tão simplista que tem nos deixado burros, e obcecados em simplificar as coisas para a superioridade do valor monetário, para a Lei suprema do custo-benefício. Temos que comparar as coisas e fazemos isso em cash. Eu lembro de sair de alguns encontros com amigos e comentar com meu namorido, "valeu a pena ter gasto x com isso". Com o tempo, observando, lendo, pensando, meditando, me dei conta o quão mesquinho é avaliar as coisas por dinheiro, ir esperando que um encontro seja pelo menos "20 reais legal". E fui me libertando desse tipo de julgamento, ainda penso em valores monetários porque ando obcecada por quem não tem dinheiro. Quando me dizem de um curso, um isso, um aquilo eu só penso, se não fosse pela minha bolsa eu não poderia saber yoga, aprender sobre culinária vegetariana, viajar... se eu não tivesse um número de matrícula da FURG não poderia retirar livros. LIVROS!

Ontem saímos de uma palestra sobre PSA, pagamento por serviços ambientais. Eu olhava para a mulher da Embrapa, lia os slides, olhava para o lado, anotava alguma coisa, riscava, tornava a ouvi a mulher, sentia uma coceira. Tentei elaborar uma pergunta, tentei formar uma opinião, e nada! Pensava "cérebro preguiçoso, acho que emburreci... foi de tanto procrastinar, só pode". Quando terminou a palestra e eu me senti muito mal por me sentir aliviada (como quando terminava a aula na 6ª série) abriu-se para as perguntas e meu desespero aumentou, as pessoas se interessavam e faziam perguntas e se entendiam! Eu olhava para um, conseguia distinguir uma frase ou outra, mas parecia que falavam coreano.

Para o meu enorme alívio, minha amiga, que parece ter uma linha de raciocínio um pouco semelhante a minha me cutucou e falou: "Você também não acha que isso está muito coisificado?" 79 quilos sublimaram de meus ombros naquele exato instante. Apesar de não saber bem o que ela quis dizer com "coisificado". Respondi feliz que sim, e clamei para ela "fala com a moça, faz uma pergunta" tipo traz essa galera para onde eu possa alcançá-los. Ela me olhou com cara de reticências e eu falei "não dá nem para elaborar pergunta, né?!".

A ideia é a seguinte identifica-se o serviço ambiental de um determinado bioma, diagnostica as ameaças ou o motivo de degradação, e intervém monetariamente sobre essa ameaça. Ela deu um exemplo muito infeliz de um proprietário que cria gado, e não respeita a APP, prejudicando assim o recurso hídrico. Então, o governo paga para que ele cumpra a lei, cerque a área, replante e pode até pagar pelo que ele deixou de produzir! Putz, isso nem no meu maior pesadelo parece uma boa ideia. Jura por Deus que aquela mulher estava falando com esperanças e que nós estávamos numa sala debatendo esse assunto? Que por sinal é Projeto de Lei...

Eu ainda tentei num ato de desespero mostrar o que estava se passando comigo naquele instante. Enquanto eles debatiam que ainda precisava definir de onde sairia essa verba, um dizia "do fundo de meio ambiente", outro dizia "dos royalties", eu me contorcia. E me expressei mal quando disse, meio berrando enquanto meu coração fazia o favor de mandar todo meu sangue para minha fuça, "os beneficiados deveriam pagar, a indústria leiteira, ou no exemplo que o amigo deu que o porto pagaria para amenizar o assoreamento na bacia... o..." eu ia continuar meu argumento quando a mulher me cortou e disse "eu vou falar sobre isso". Sobre o exemplo, mas o que eu gostaria de dizer é que isso só pode fazer algum sentido quando se encontrar a causa da pressão. O camarada não planta fumo para vender na feira, ele planta para alimentar a indústria do tabaco. A multinacional Suíça (Nestlé) exerce muita influencia e pressão nos pequenos produtores. Então, como é que o governo vai pagar (continuar pagando) para uma pressão que não é nossa (nós aqui somos os pagadores de imposto)? Que se cobrasse uma taxa de serviços ambientais sobre as indústrias que geram essa pressão.

Ai, minha filha, mas daí fica muito caro produzir. Eles já tem que pagar tanto imposto, tanta taxa...

Ué, como caro? Fica o preço real. Se internalizar custos torna um modo de produção inviável é porque ela JÁ É inviável. Assim, como os subsídios fantasiam um lucro irreal na pesca. Assim, como se a levis resolver internalizar o custo de despoluição, pagar salários justos, respeitar direitos humanos ela quebra!

Ok, querida, mas e se esse modo é inviável vamos ter que parar de tomar leite? Parar de usar calça jeans?

Bem, essa opção me parece mais adequada do que seguir explorando mão de obra escrava, cuspindo no termo "direitos humanos" em busca do país mais miserável (ou de tornar um país miserável) para levar a grande oportunidade da vida deles de trabalharem como escravos (isso é gerar emprego), seguir poluindo e contaminando. Maaas... penso que não chegamos "tão longe" em termos tecnológicos para termos que voltar a andar nus, e investir todo nosso tempo cultivando nosso próprio alimento. Penso que podemos encontrar uma outra alternativa para isso. Não travestir o velho de novo.

Mas, para tornar viável a elaboração e execução dessa alternativa temos que nos dar conta de que esse desenho de sociedade é insustentável. E que nada vai mudar isso, pode inventar a lei que for, pagar o quanto quiser, valorar o que for. Enquanto os verdadeiros poluidores seguirem inatingíveis nada vai mudar de fato e vamos ficar só tapando buraco, e para cada buraco tapado abre-se mais 10.

Se tem uma sugestão de pós-capitalismo que eu gosto é o do Projeto Venus.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Panaceia utópica.

Sabemos claramente que estamos nesse exato momento enfrentando uma grave crise sem precedentes. Não é apenas uma crise econômica, social ou cultural. Conseguimos superar essas misérias que assolam populações a milênios e chegamos ao cúmulo de uma crise ambiental global. Imagino que não hajam muitos céticos que neguem o quão tenebroso está o cenário atual. Ou há?

Será necessário mostrar fotos do smog monstruoso que ocorreu na China essa semana?
Fonte: BBC-Uk
Ou as matérias sobre os níveis alarmantes de radiação na Califórnia graças ao vazamento de Fukushima? Será preciso dizer da poluição aquática, atmosférica, ou do solo graças ao volume absurdo de agrotóxico que as plantações geneticamente modificadas exigem? Será preciso um vídeo mostrando albatrozes numa ilha longínqua morrendo pela ingestão de plástico?

Sem falar sobre o que estamos fazendo nossas crianças se tornarem. Isso é, como estamos vivendo nossas vidas, com base no consumo, no status, na busca cega pelo ter. No desenvolvimento tecnológico que gere lucro, e sirva para aumentar o consumo, ou você pensa que os óculos Google vão te tornar um ser humano melhor? Ou pior, a tecnologia na busca do aumento de controle, a serviço do desenvolvimento bélico. Muros altos, com cerca elétrica, para proteger o que exerce influência graças ao seu poder de consumo da escória, que não consome e nem tem acesso à informação, cultura, educação, saúde.

Nossa sociedade está em crise, por mais que você esteja muito contente por ter conseguido comprar algo que você queria e assim, não precisa pensar na crise. Por mais que você esteja encantado com sua pesquisa, com seu novo trabalho, namorado. Por mais que você esteja nesse exato momento muito feliz, nós estamos em crise, num mundo doido, com regras que não merecem ser cumpridas.

E como resolver esse pepino? Seria investindo na educação? Você considera a educação na Alemanha boa? Então que tal dar uma olhadinha no documentário O Pesadelo de Darwin e ver da onde vem o peixe que a população bem educada consome. Seria criando leis de comércio justo, leis anticorrupção, ou medidas que limitassem o lucro, dividindo o dinheiro entre todos. Será que isso realmente funcionaria?

Desconfio que não. O sistema econômico é baseado em dívida e escassez. Algo se torna mais valioso quanto menos pessoas tiverem acesso a ele. A escassez aflora as mazelas dos animais, precisamos garantir o que é "nosso", nos tornamos agressivos, competitivos, insensíveis, egoístas. Sim, algumas pessoas não, mas são poucas, em comparação com as demais. Isso gera um modo de pensar, comportar e sentir que acaba acarretando todos os outros problemas, desigualdade, injustiça, preconceito, poluição, depressão, altos índices de suicídio, violência.

Meu professor, o mentor do meu curso de mestrado, tem uma matéria muito legal em que ele indica artigos de gerenciamento costeiro e debatemos. Ele, eu diria, tem fé no sistema, acredita em leis, em programas, e projetos para ir melhorando realidades. Sempre tendemos a ir fundo no problema de cada artigo, e ele tem que reconduzir a conversa, porque sempre chegamos no mesmo poço sem fundo "economicismo". O sistema monetário é um grande problema.

Isso eu já desconfiava antes de entrar no mestrado, foi por isso que colei numa guru da economia para pedir orientação. Acreditava eu que "internalizando" custos, tornando empresas verdes, tornando a Economia Verde chegaríamos a uma solução. O que fui encontrando pelo caminho me desiludiu muito, não existe empresa verde (talvez algumas poucas exceções) mas a maioria pratica o greenwashing para vender mais (algo nada sustentável) nenhuma empresa vai fazer uma campanha para que você compre menos. A certificação ambiental parece ser mais um modo de o dinheiro escapulir dos países pobres para se concentrar na sede das benevolentes ONGs que desenvolveram o marketing.

Conclusão, essa economia tem que mudar, não se adaptar feito um camaleão devorador de almas. Porque temos fronteiras? Fazendo com que gastemos fortunas com exércitos, marinha, aeronáutica, guerras infindáveis. O que faz com que países influentes e experientes nessas regras de merda suguem o recurso dos outros, desde o seu "descobrimento". Sendo que somos todos seres da mesma espécie...

Não podemos ter fronteira se quisermos de fato nos desenvolver como seres humanos. E nem podemos perder tempo e energia buscando comida (trabalhando incessantemente para garantir o passaporte para alimentação), razão tinha o Fernão Capelo Gaivota. Já produzimos alimento capaz de alimentar 12 bilhões de pessoas (estamos em 7 sendo que agora acaba de morrer um de fome, enquanto outros milhões estão subnutridos). Temos tecnologia o suficiente para abolir a maioria dos empregos entediantes e pesados.

E se não houvessem fronteiras? E se não houvesse dinheiro, e o alimento, e bens produzidos com alta tecnologia estivesse acessível a todos? E se a economia fosse baseada em recursos? E se todos tivessem moradia, acesso a saúde e a temas culturais diversos que lhe interessassem? E tempo livre para desenvolver habilidades e contribuir no progresso cultural?

E se eu te dizer que esse mundo já tem até maquete?
Acesse http://thevenusproject.com/ e comece a pensar como seria o mundo se a tecnologia estivesse a serviço de todos os seres humanos.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Mulheres têm escolha?

Do alto da minha rasa experiência no feminismo, identifiquei um conflitinho básico. Pelo menos entre as feministas de facebook e blog. É o fato de buscar-se uma identificação entre as feministas.

Fica no ar uma ideia de que feminista que é feminista não pode se depilar, tem que ter parto normal, ou nem ter filho, deve trabalhar fora, repugnar sutiã. 

Bem, só de ler a frase acima você já sentiu como soam absurdas essas exigências não é mesmo? E ao meu ver toda e qualquer exigência que se imponha a uma mulher é machista. Sempre que rola um post no face tratando de pelos em axila feminina é o maior bafafá, existem até ofensas. E normalmente não é um post que use um verbo no imperativo "deixe as axilas peludas" ou "não depile", nada disso, é simplesmente uma alusão à possibilidade de se fazer isso. 

Num post no blog da Lola, uma mãe que trabalha fora optou por realizar cesária e se sentiu ofendida pela luta das feministas pró parto normal. Nessa resposta uma ativista explica que o problema não é optar por realizar cesária com base em informações confiáveis, variáveis e de qualidade, o problema é que uma esmagadora de mulheres são levadas a optar por esse modo mais rápido e prático, para o médico.

O problema não é a sua escolha em si, mas o porque de você ter feito essa escolha. E esse motivo está diretamente relacionado à acesso de informação, e o direito a ter escolhas.

Algumas mulheres afirmam que depilação é uma questão de higiene! No buço? No braço, na perna? E essa afirmação é baseada em alguma pesquisa científica? Será que a concentração de bactérias é maior em regiões com pelos? Mesmo quando me depilo preciso usar desodorante, então há bactéria, igualmente. E porque vc tem mais nojo do pelo feminino que do masculino?

Seria então uma razão de estética, mas é um padrão seu? É claro que não, pois se fosse vc não veria problema em deixar os pelos crescerem e ir a público e ver se de fato acha mais ou menos feio... Afinal, cabelo é pelo, escorre durante o banho, cai na comida, fica oleoso ao longo do dia, mas não há depilação nessa área.

Então, depilar é uma escolha que já foi feita, antes de você saber o que era isso. Não há opção.

E isso talvez seja um efeito de termos sido criadas para sermos bonitas. E nós mesmas contribuímos com essa educação ao não resistirmos de elogiar a beleza de uma guriazinha, invés de perguntarmos a respeito do que ela pensa. O que fica bem ilustrado nesse texto:

Como conversar com meninas

Eu fui a um jantar na casa de uma amiga na semana passada, e encontrei sua filha de 5 anos pela primeira vez. A pequena Maya tinha os cabelos castanhos e cacheados, olhos escuros, e estava adorável em seu vestidinho rosa e brilhante. Eu queria gritar, “Maya você é tão fofa! Veja só! Dê uma voltinha e desfile esse vestidinho rosa, sua coisinha linda!”
Mas eu não fiz isso. Eu me contive. Como sempre me contenho quando conheço garotinhas, negando meu primeiro impulso, que é dizer o quão fofas/lindas/bonitas/bem vestidas/de unhas feitas/cabelo arrumado elas são/estão.
“O que há de errado nisso? É a conversa padrão de nossa cultura para quebrar o gelo com as meninas, não é? E por que não fazer-lhes um elogio sincero para elevar suas auto-estimas? Porque elas são tão lindas que eu simplesmente quero explodir de tanta fofura quando as encontro, sinceramente.”
Guarde este pensamento por um tempo.
Esta semana a ABC News informou que quase metade das meninas de 3 a 6 anos se preocupam por estarem gordas. No meu livro, Think: Straight Talk for Women to Stay Smart in a Dumbed-Down World, eu revelo que 15 a 18% das meninas com menos de 12 anos usam rímel, delineador e batom regularmente; distúrbios alimentares estão em alta e a auto-estima está em baixa; e 25% das jovens mulheres americanas prefeririam vencer o America’s Next Top Model a ganhar o prêmio Nobel da Paz. Até universitárias inteligentes e bem sucedidas dizem que preferem ser ‘gostosas’ a serem inteligentes. Recentemente uma mãe de Miami morreu durante uma cirurgia estética, deixando dois filhos adolescentes. Isso não pára de acontecer, e isso parte o meu coração.
Ensinar as meninas que a aparência delas é a primeira coisa que se nota ensina a elas que o visual é mais importante do que qualquer outra coisa. Isso as leva a fazer dieta aos 5 anos de idade, usar base aos 11, implantar silicone aos 17 e aplicar botox aos 23. Enquanto a exigência cultural de que as garotas sejam lindas 24 horas por dia se torna regra, as mulheres têm se tornado cada vez mais infelizes. O que está faltando? Um sentido para a vida, uma vida de ideias e livros e de sermos valorizadas por nossos pensamentos e realizações.
Eu me esforço para falar com as meninas assim:
“Maya,” eu disse, me ajoelhando até ficar da sua altura, olhando em seus olhos, “prazer em conhecê-la”.
“O prazer é todo meu,” ela disse, com a voz já bem treinada e educada para falar com adultos como uma boa menina.
“Hey, o que você está lendo?” Perguntei, com um brilho nos olhos. Eu amo livros. Sou louca por eles. Eu deixo isso transparecer.
Seus olhos ficaram maiores, e ela demonstrou uma empolgação genuína, mas contida, sobre o assunto. Ela pausou, no entanto, tímida por estar com um adulto desconhecido.
“Eu AMO livros,” eu disse. “E você?”
A maioria das crianças gosta de livros.
“SIM,” ela disse. “E agora eu consigo ler sozinha!”
“Que incrível!” eu disse. E é incrível, para uma menina de 5 anos.
“Qual é o seu livro preferido?” perguntei.
“Vou lá pegar! Posso ler pra você?”
Purplicious foi a escolha de Maya, um livro novo para mim, e Maya se sentou junto a mim no sofá e leu com orgulho cada palavra em voz alta, sobre a nossa heroína que adora rosa mas é perturbada por um grupo de garotas na escola que só usam preto. Infelizmente, o livro era sobre garotas e o que elas vestiam, e como suas escolhas de roupas definiam suas identidades. Mas depois que Maya virou a última página, eu conduzi a conversa para as questões mais profundas do livro: meninas más e pressão dos colegas, e sobre não seguir a maioria. Eu contei pra ela que minha cor preferida é o verde, porque eu amo a natureza, e ela concordou com isso.
Em nenhum momento nós discutimos sobre as roupas, o cabelo, o corpo ou quem era bonita. É surpreendente o quão difícil é se manter longe desses tópicos com meninas pequenas, mas eu sou teimosa!
Eu falei para ela que eu tinha acabado de escrever um livro, e que eu esperava que ela escrevesse um também, algum dia. Ela ficou bastante empolgada com essa ideia. Nós duas ficamos muito tristes quando Maya teve que ir pra cama, mas eu disse a ela para da próxima vez escolher outro livro para lermos e falarmos sobre ele. Ops! Isso a deixou animada demais para dormir, e ela levantou algumas vezes…
Aí está, um pouquinho de oposição a uma cultura que passa todas as mensagens erradas para as nossas meninas. Um empurrãozinho em direção à valorização do cérebro feminino. Um breve momento sendo um modelo a ser seguido, intencionalmente. Meus poucos minutos com a Maya vão mudar a multibilionária indústria da beleza, os reality shows que diminuem as mulheres, a nossa cultura maníaca por celebridades? Não. Mas eu mudei a perspectiva de Maya por pelo menos aquela noite.
Tente isto da próxima vez que você conhecer uma garotinha. Ela pode ficar surpresa e incerta no começo, porque poucos perguntam sobre sua mente, mas seja paciente e insista. Pergunte-a o que ela está lendo. Do que ela gosta ou não gosta, e por quê? Não existem respostas erradas. Você apenas está gerando uma conversa inteligente que respeita o cérebro dela. Para garotas mais velhas, pergunte sobre eventos atuais: poluição, guerras, cortes no orçamento para educação. O que a incomoda no mundo? Como ela consertaria se tivesse uma varinha mágica? Você pode receber algumas respostas intrigantes. Conte a ela sobre suas ideias e conquistas e seus livros preferidos. Mostre para ela como uma mulher pensante fala e age.
essa versão eu encontrei no blog L'objet Trouné, nesse link.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Mendigando nossa própria riqueza

Um artigo me chocou. Trata-se da gestão de uma Área de Proteção Ambiental nas Filipinas, mais especificamente em Apo Island. A área foi estipulada porque o coral estava em perigo e a pesca diminuindo, e então a comunidade local com auxilio inicial da universidade criou algumas regras para proteger o ecossistema, estipulou-se um comitê e a gestão era feita pela própria comunidade, o coral se recuperou e a pesca voltou a ser abundante, tornando esse modelo de gestão uma referência mundial. O que pode ser confirmado nesse e nesse vídeo. Até que, entrando na moda e obedecendo sugestão da ONU o país estabeleceu um Plano Nacional Integrado de Áreas Protegidas. E assim, a gestão dessas áreas passou a ser realizada pelo poder federal.

O processo aconteceu repentinamente sem o consenso da comunidade. Os poucos que "participaram" do processo não compreenderam muito bem, uma vez que esse foi feito em inglês e não no idioma local. Esse novo modelo de gestão desconsidera totalmente a opinião da população, prioriza o turismo e não realiza nenhuma melhoria social. Mas trouxe algo de bom! Gerou "emprego". "Women t-shirt sellers said that they had started selling t-shirts to supplement their husbands’decreasing incomes from fishing." (vendedoras de camiseta disseram que passaram a vender camiseta para complementar a queda do rendimento na pescaria de seus maridos). Uau, nada como crescer na vida, arranjar um job e poder vender camisetas, talvez possam até tomar coca-cola.

Antes o recurso usado para a gestão da área protegida era oriundo de doações dos ilhéus. Agora advém de taxas e multas, sendo portanto um valor consideravelmente maior! É uma pena que esse recurso tenha que ir primeiro ao governo federal, para depois teoricamente retornar a fração que cabe a ilha, 75%. O "teoricamente" não foi posto como figura de linguagem, o dinheiro demora meses para retornar e só depois de muita insistência o que causa uma estranha sensação nos ilhéus "the people of the island feel the agony of being slaves and beggar[s] of their own money and resources." (o povo da ilha sente a agonia de serem escravos e mendigos de seu próprio dinheiro e recurso).

Essa sensação estranha não é exclusividade deles. Eu peço que você assista a esse pesado documentário O Pesadelo de Darwin. É absurdamente triste e vai te dar vontade de vomitar, mas mostra tantas facetas de nossa sociedade que deve ser assistido, faça uma prece depois para a Tanzânia. Mostra como de alguma maneira surreal os africanos exportam todo seu recurso, inclusive o maldito peixe que é muito apreciado na europa, enquanto a população literalmente morre de fome e vive na miséria absoluta. A quantidade de peixe extraída seria suficiente para alimentar 2.000.000 de pessoas, mas é exportada em aviões que chegam vazios ou carregados de armas que sustentam as guerras mais sangrentas do mundo. A ONU, mais especificamente a FAO se preocupa muito com a questão, e em jornais e noticiários locais é dito que esta tem buscado auxílio, procurando juntar 17 mi dólares para fornecer ajuda humanitária. Uma vez que devido a falta de chuva a fome se agrava. Eu posso estar enganada, mas nessa troca (vender armas e comprar peixe barato para revender caro) a europa deve lucrar muito mais que 17 mi dólares e ainda ficar com um big fish.

E se você acha que mendigar pelo próprio recurso é algo exclusivo das Filipinas ou da Tanzânia, so sorry, mas temos o privilégio de estar na mesmíssima canoa furada. Esse videozinho é bem curtinho e ilustra um pouco o drama. 200 anos atrás os países mais ricos possuíam 3x mais riqueza, hoje são 80x mais ricos. Isso porque, apesar da gentileza com que eles oferecem um auxílio de 130 bilhões de dólares, suas multinacionais lucram mais de 900 bi dólares nas negociações esquisitas como o caso da perca do nilo, ou exploração de pré-sal, ou ainda com a realização de megaeventos como a copa. Sem esquecer que existe uma dívida a ser paga, o que transporta 600 bi dólares de países subdesenvolvidos aos "desenvolvidos". O que pode ser confirmado no Orçamento Geral da União, que destina 42% de seu montante para juros e amortização da dívida. Ademais, existe um lucro com a utilização de subempregos, ou de "escravos que mendigam seu próprio recurso".

Eu não pretendo nem de longe alimentar xenofobias, ou qualquer tensão entre "nórdicos" e "tupiniquins". Mesmo porque conversando e fuxicando no face eu sei que a coisa tão pouco está legal na Europa, muito embora longe de se aproximar do melhor dos sonhos dos africanos retratados no documentário, a saúde para a população tem deixado a desejar e cortes na educação vem sendo realizados. Porque também por lá uns oprimem aos demais.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O cachorro mais sábio que o presidente.

Ah como eu amo cães! Eu sempre amei por amar, por gostar da companhia, de tocar o pelo, de não haver cobranças ou julgamento. Com meu namorado passei a reparar nos jeitos e manias dos animais, é meio que humanizá-los, mas é muito legal e filosófico.
Um dos cães que moram comigo usa algumas táticas para demonstrar suas necessidades. E desde que trocamos o pote de ração deles por um de metal, ele descobriu que lamber o pote vazio faz barulho pra caramba.

Assim, sempre que está com fome ele vai até o pote e começa a barulheira. Até que eu, ou o namorado, deixamos o que estamos fazendo e tomamos a decisão de atender a demanda do amigo. Inspirada nas manifestações costumo brincar que o Gurila agora protesta. Antes de pôr a ração eu afago sua orelha e digo "seu vândalo", em tom sarcástico.

Mas, e se eu não quisesse "obedecê-lo"? E se o barulho me incomodasse, se eu dissesse que essa ação dele é muito mau educada e radical, é uma violência. Se eu quisesse que ele protestasse de outra forma, de uma forma que não me atrapalhasse? Ele poderia muito bem se sentar pacificamente em frente o pote de ração e esperar por horas até o momento da alimentação!

Bem, nesse caso, toda vez que ele lambesse o pote eu iria até ele e xingaria, brigaria, gritaria, oprimiria, poderia prendê-lo no banheiro até que eu decidisse que era hora dele comer. Afinal eu tenho o poder de tomar essa decisão. E desse modo ele iria parar de fazer protesto barulhento, temendo a repressão.

Penso que isso se assemelha aos protestos e manifestações e como estes tem dividido sem razão a população. Tudo bem protestar, desde que seja de branco, com identificação, moças vestidas de saia bem comportada, cartazes com normas ABNT, limite sonoro, respeitando horário de silêncio. Depois que não adiantar, ai poderiam se dizer palavrões. E mesmo que não adiante, como não tem adiantado, como não houve resposta no caso do Instituto Royal, onde ativistas tentaram contato com a empresa, mandaram notícia pro ministério, fizeram manifestação pacífica, rezaram, choraram, empinaram pipa e nada, nenhuma posição da OSCIP (Organização da Sociedade Civil de INTERESSE PÚBLICO financiada pela FUNEP), nem assim se justifica a realização de "atentados terroristas".

Afinal arrancar olhos de cachorro para "pesquisa" tudo bem, mas invadir uma propriedade privada, estourar cadeados, isso não, jamais! Assinar contrato com empresas estrangeiras para entregar trilhões, enquanto pescadores que já não contam com acesso à saúde, educação, cultura podem ter sua atividade comprometida tudo bem, mas tombar carro, jamais! Sumir com pedreiro, uma vez que preto e pobre não faz diferença, tudo bem, mas tampar o rosto em protesto, jamais, cadê sua dignidade, rapaz?!

Os defensores de protestos pacíficos baseiam-se em Gandhi o entusiasta da não-violência. Bem, bem, para início de conversa, olha a Índia. Essa independência não foi assim "uma brastemp". E segundo que, enquanto Gandhi fazia suas admiráveis intervenções haviam protestos populares, não tão pacíficos assim. Porque, é claro, sobram motivos para revolta, eu fico impressionada é de alguém nunca querer quebrar nada, basta ler qualquer livro que traga um mínimo de crítica social para vc sentir vontade de explodir! Por favor leia, sobre justiça ambiental que é atual.

Uma pessoa que admiro muito falou "eles não podem quebrar as coisas, eu não sei qual é desses mascarados, se são pagos pelo governo, se são bandidos que desceram do morro, eu não sei". Como se houvesse algo muito misterioso no ar... eu levantei a lebre "não podem ser manifestantes, que simplesmente se cansaram de não ter resposta nunca, que sentiram a necessidade de ser mais "enfático"?" E aí Estado, não seria mais fácil servir a ração? Isso é se reestruturar para atender interesses sociais, invés de economicistas?

Acho que tem algo muito crucial a ser dito. Ouço pessoas criticarem "eco-terroristas", "feminazis", "ditadura gay", "talibikers" como se representantes desses ideais, que inevitavelmente cobram alguma mudança, fossem loucos, radicais, raivosos, mas será que não está havendo uma resistência muito grande ao "novo". Uma resistência radical, cega, que se agarra no seguro status quo, e critica qualquer medida real de mudança. Será que não é o momento de pensar "essa galera está tão raivosa a ponto de quebrar bancos, invadir institutos, ao ponto de enfiar imagens sacras no próprio cu, deve haver algo que os incomoda muito e que consequentemente deve ser mudado", ao invés de pensar "que vândalo maldito, destruindo tudo, deve ser escorraçado". Não seria melhor servir a ração invés de reprimir o pedido?

Fonte da notícia aqui.
Será que teremos que atear fogo ao próprio corpo (como protestam os monges), não para ser ouvido e ver alguma mudança, mas para pelo menos não haver críticas ao modo "violento" de se expressar, e em defesa à coisas e propriedade privada.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Propriedade privada até quando?

Tenho lido "o homem é um ser histórico".
O que significa isso?

Significa que a decisão que você vai tomar daqui 10 minutos depende do seu passado, e o que lhe foi ensinado pelo passado do seu passado. Pela maneira como pensava sua avó e o que disso ficou impregnado no modo de pensar de sua mãe, e como foi e tem sido sua relação com ela e suas experiências de vida. Se você se mudou, se você se apaixonou, se você estudou, se você foi abusado ou oprimido, se foi humilhado ou amado na escola, se conheceu pessoas admiráveis, se cantou todas as canções do Legião Urbana, os livro que leu, essas variáveis influenciam em como você concebe o mundo e como você se encaixa nessa sua concepção de mundo.

Arte de "miniaturizar" cabeças humanas. Fonte aqui.
O meio influência em como você age. Existem diversos experimentos psicológicos que concluíram que humanos tendem a ignorar o que sabem para se adequar ao grupo (busque por Efeito Manada ou Experiência de Asch). Isso significa duas coisas, a primeira que se você for dar um rolê numa tribo africana que coleciona cabeças em miniaturas de humanos que eles caçam, e perguntar à alguém: "Você tem 5 cabeças humanas, não vê nada de errado nisso?" ele provavelmente vai lhe responder "Claro que sim, meu amigo tem 20!". Ou seja, se você está imerso num contexto onde colecionar cabeças faz parte da rotina, não verá problemas nisso. Por outro lado, se na sua cultura costuma julgar que pessoas que cortam a cabeça de outra são bárbaros (a não ser que esteja em guerra), então você vai julgar assim os que tem esse hábito e talvez deseje que sejam eliminados do mundo.

E então, vamos falar do vídeo da semana que dividiu opiniões. Eu não assisti e o pouco que sei foi de comentários do face e essa matéria do G1. Na verdade as opiniões não foram tão divididas assim, eu diria que aproximadamente 90% das pessoas se manifestaram a favor da ação do PM alegando que este deveria ser condecorado...

Bem, bem, bem... não é legal ser assaltado, não é legal ter uma arma apontada na cara, certamente a pessoa deve se sentir oprimida, assustada, violada etc. Quanto a isso eu não tenho dúvida, e nutro compaixão por quem é submetido a essa experiência.

Mas então vejamos, na matéria do G1 o bandido não estava roubando para comer, ele não iria vender, pois tratava-se de uma Hornet, ele iria apenas ostentar, o que "justificaria" ou amenizaria os tiros que tomou. E então o dono da Hornet optou por esse modelo porque? Para se locomover? Quando existem tantos outros mais econômicos... Ah, então quem trabalha e tem dinheiro pode querer ostentar... hum, interessante.

Segundo, se atuação policial ostensiva resolvesse a criminalidade certamente os índices estariam bem menores que os atuais. Basta ouvir qualquer música de RAP para notar que ação ostensiva policial vem barbarizando favelas e periferias à décadas, isso se tornou uma triste rotina. Se nos sentimos impotentes quando um bandido nos aponta uma arma, esse mesmo bandido se sentiu, não sei como ele pode ter se sentido, quando seu pai Amarildo não voltou mais para casa, por ter cometido o crime de ser preto e pobre.

Fonte aqui.
Existem dois mundos, baby. O meu, onde a polícia ilusoriamente protege. E o do Amarildo, onde a polícia destrói. E não precisa ir até o Rio de Janeiro. Sua cidade já tem pobre que sofre o bastante para lhe inspirar uma analise crítica... Papaguear que "bandido bom é bandido morto" é tão ridículo quanto, sei lá, não tem nada tão tristemente ridículo quanto isso.

Não consigo mais acreditar no conto da carochinha de que esse mundo é lindo cheio de oportunidades, que basta querer. Esse mundo "rede globo" que nunca esteve próximo a nenhum expropriado para ver que não é bem por ai que a banda toca. É interessante que pessoas que defendem a teoria de que o bandido é assim por ser um mau caráter, que não trabalha porque não quer, mas, no entanto põe seus filhos na melhor escola, compra brinquedos que estimulem o raciocínio, busca manter um clima de harmonia em casa porque leu e sabe que é fundamental para o desenvolvimento saudável de ser humano, paga centenas de reais numa escola de inglês. Porra, não fode!

Fica óbvio que as condições são absurdamente desiguais nesses 2 mundos, e querer que alguém que cresce num um bairro violento, que o estado só entra para matar, que estuda numa escola feia, fraca e sem recursos, assiste aqueles programas idiotas e totalmente distantes da sua realidade, que não vai ter fácil acesso a um livro e nem a algum local apropriado para lê-lo, que vive imerso em histórias de injustiça e abusos, querer que esse ser humano com esse histórico sorria e agradeça a oportunidade que você deu de ele recolher o coco do seu cachorro me faz ter nojo. Esse "bom comportamento" pregado pela mídia e religião, essa resignação que se tornou senso comum é humilhante, é muito mais lógico, digna e coerente a revolta "fuck you i won't do what you tell me".
Fonte aqui.

Eu particularmente, com meus princípios não me sinto confortável em pegar algo que não seja meu. Mas acho que cabe muito mais a reflexão sobre "a propriedade" do que sobre "o bandido". E nisso tenho que dizer que os protestos me fazem chorar de emoção. Ver os Black Blocs me dá vontade de enfiar uma camiseta preta na cabeça e sair correndo atuar! Eles me representam. Mas, a mídia não traz nem um relâmpago dessa reflexão. Ela simplesmente os trata como bárbaros loucos vindo do inferno... Como se fossem um bando de imbecis que gostam de ver coisas pegarem fogo, e que tem a intenção de comer crianças no jantar por sorte temos a polícia para nos proteger desses vândalos. Afe.

Mas, bem, voltando para o questionamento da propriedade privada e da atuação indecorosa dos bancos (que são alvos dos BB) gostaria de encerrar esse post com a minha mais nova esperança no mundo!

Vocês se lembram que eu havia dito que tinha 2 esperanças, no Anonymous, que bem, basta ver esses protestos ao redor do mundo para concordar que essa esperança não foi tão em vão assim, não é. E outra mais nacional era no partido Rede, que levou uma rasteira, o que significa que de fato trazia alguma ameaça ao status quo. Então, depois de elevar minha moral de palpiteira e de ter exposto um tiquinho mais a escrotice de nossa sociedade que ainda não é "civilizada" deixo uma dica de algo que merece um post especial:

Economia Baseada em Recurso.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Respeitável público

O que pensar da prestação de serviço realizada pelos professores usando a universidade pública?

Eu nunca me preocupei em pensar sobre esse assunto. Afinal, me pareceria "picuinha" ficar me intrometendo na vida dos professores que eu tanto admiro. Cabe a mim julgar se o salário é suficiente? E afinal, existe a demanda por parte do empreendedor, existe o conhecimento do professor e existe o equipamento e espaço da universidade. Melhor para nós enquanto sociedade que esse trabalho seja feito por profissionais competentes do que por um picareta qualquer.

Pois bem, acontece que me formei. E ou eu me aventuro numa metrópole, ou azar o meu, o mercado de trabalho na minha área na amada Rio Grande não está fácil. Nesse momento passei a refletir no primeiro impacto de se ter professores prestando serviço de consultoria. Quem seria capaz de competir com a FURG? Que empresa pode competir com essa prestadora de serviço que não paga imposto, não paga salário, usa mão de obra qualificada de mestres e doutores pagos como bolsista sem carga tributária, não paga aluguel e tem modernos equipamentos?

E então, juntando o útil com o interessante, deixei a consultoria para os doutos e ingressei no mestrado. Fugindo um pouco da ciência dura, entrei num mestrado mais soft, e tive a oportunidade de aprender um pouco sobre a atual crise social, mais chamada de ambiental. Assim, fui formando um olhar mais crítico da sociedade, basicamente me assumindo com uma libertária de extrema-esquerda. E então meus amigos, quem se propõe a abrir os olhos é obrigado a ver muita dor e sofrimento. Nossa sociedade está doente e a universidade sorri como uma ilha de conhecimento científico formando um abismo entre si e o conhecimento popular a sua volta. E esse abismo é cúmplice na expropriação social.

Por isso toda universidade tem a política de promover ações de extensão. É só dar uma pesquisadinha onde relaciona extensão e universidade para ter acesso a informações lindas, como:

"políticas acadêmicas de extensão, comprometido com a transformação social para o pleno exercício da cidadania e o fortalecimento da democracia" (site RENEX)
ou
"um processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade...
fluxo que promove a troca de saberes acadêmicos e populares, tendo como conseqüência a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade" (site da FURG, na aba extensão)

Assim fica claro a intensão e a necessidade da extensão. Que consiste em estudar, entender e propor melhorias à comunidade, que venha a se apropriar do conhecimento a ponto de caminharem rumo seu empoderamento e emancipação. E exige um retorno à sociedade.

Mas, não é o que costuma ocorrer em muitos projetos de extensão. Essa semana pude ler um que se constituía numa prestação de serviço à um empreendedor local, o Porto (SUPRG). E outros 2 denominados "projeto de pesquisa" o qual também se constitui numa prestação de serviço, à SUPRG e à Leal Santos.

Como eu disse, me recuso entrar no mérito de quanto os professores vão ganhar nesses projetos, pois isso de fato não me incomoda nenhum pouco. O problema é que na mesma reunião em que esses projetos foram aprovados discutia-se sobre uma disciplina que não tinha nenhum professor disponível para administrar. O problema é que é comum que professores não tenham tempo e energia suficiente de orientar alunos. O problema é que a sociedade segue a margem do conhecimento concentrado na universidade, tão perto e tão longe da Vila Maria.

Existem lindos projetos de extensão sendo realizados pela FURG, o NUDESE é um ótimo exemplo. Mas no caso da reunião que presenciei do IO como representante dos alunos do mestrado me senti decepcionada em ver todo o potencial de intervenção social que tem esse instituto resumido a prestações de serviço tão básicas. Como monitoramento e auditoria interna.

É consideravelmente diferente um projeto de pesquisa, onde o pesquisador com base em leituras e teorias busca um empreendimento para realizar um estudo, adquirindo um caráter inovador e visando o bem da comunidade, de uma prestação de serviço, quando esse empreendedor tem a necessidade de cumprir certas normas ambientais e procura o professor. O qual consequentemente, diminui seu esforço na pesquisa e ensino, para realizar esse trabalho (que poderia ser realizado pelos graduados e mestres que são constrangidos a trabalhar como bolsistas quando poderiam estar conquistando mais autonomia).

Resta saber se não existem empresas e laboratórios capazes de oferecer esse serviço na cidade porque a FURG monopolizou o mercado, ou se a FURG presta esse serviço porque não existe empresa do seu nível. E se, quem tem a faca e o queijo na mão está disposto abrir mão e assumir seu papel PÚBLICO. Outro detalhe é que existe na universidade a empresa júnior de consultoria ECOSERVICE, que é absolutamente desconsiderada por todos os professores que poderiam encaminhar à ela os trabalhos de consultoria que lhes são solicitados. Se os defensores da prestação de serviço pela universidade pública alegam que essa seria uma maneira de o estudantes terem contato com o mercado de trabalho creio que outros modos seriam mais adequados.

Segue abaixo breve descrição dos três "projetos" citados. E cabe o detalhe de que muitos "projetos" são picotados em valores menores. Pois valores que ultrapassam 1.000.000 são retidos e a burocracia aumenta. Mas, ainda não tenho nenhuma comprovação de que algum deles seja o caso.

2.1 – PE: Monitoramento do ciclo de dragagem no canal Miguel da Cunha e do canal de acesso ao Porto do Rio Grande
Relatório: O Diretor do Instituto emitiu carta de aprovação para o PE: Monitoramento do ciclo de
dragagem no canal Miguel da Cunha e do canal de acesso ao Porto do Rio Grande, de responsabilidade
da interessada. O projeto tem por objetivo o monitoramento da qualidade da água na área a ser dragada e ao longo do canal de acesso ao Porto, além de monitorar a geoquímica do sedimento e macroinvertebrados bentônicos, além de executar testes ecotoxicológicos. Além da interessada, que dispensará o total de 48 (quarenta e oito) ao projeto, participam também, os Profs.... Todos dispensarão o total de 96 (noventa e seis) horas ao projeto que está orçado em R$ 253.103,32 (duzentos e cinqüenta e três mil, cento e três reais e trinta e dois centavos), financiados pela SUPRG – Superintendência do Porto do Rio Grande. Teve início em OUT2013 e término previsto para ABR2014 e está cadastrado no SIGProj sob o número
162355.711.156046.18092013.

2.2 – PP: Auditoria ambiental e implementação do Sistema de Avaliação de Monitoramento do Desempenho da Gestão Ambiental portuária no Porto do Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil
Relatório: O Diretor do Instituto recebeu da interessada o PP: Auditoria ambiental e implementação do
Sistema de Avaliação de Monitoramento do Desempenho da Gestão Ambiental portuária no Porto do
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil, de responsabilidade da interessada. O projeto tem por objetivo
realizar a auditoria ambiental de caráter interno no Porto Velho e Porto Novo e implementar um Sistema
de Avaliação e Monitoramento do Desempenho da Gestão Ambiental para área do porto organizado
do Rio Grande. Além da interessada, participam também as Profas.... Todas dispensarão 4 (quatro) horas semanais ao projeto, que está orçado em R$ 952.486,04 (novecentos e cinqüenta e dois mil, quatrocentos e oitenta e seis reais e quatro centavos), financiados pela SUPRG – Superintendência do Porto do Rio Grande. Os docentes serão remunerados pelo projeto que terá início em NOV2013 e término previsto para OUT2015.

2.3 – PP: O bonito listrado (Katsuwonus pelamis) e as condicionantes ambientais: Uma nova abordagem
Relatório: O Diretor do Instituto recebeu o PP: O bonito listrado (Katsuwonus pelamis) e as condicionantes ambientais: Uma nova abordagem, de responsabilidade do interessado. O projeto tem por objetivo a aquisição, interpretação e disponibilização de dados relativos à distribuição e abundância do bonito listrado (Katsuwonus pelamis) e de variáveis ambientais que condicionam os deslocamentos deste espécie no Atlântico Sul Ocidental e o monitoramento das operações de iscagem dos atuneiros com anchoita, no intuito de quantificar a demanda por isca, a disponibilidade e distribuição da frequência de comprimento das anchoitas em diferentes épocas do ano. Além do interessado, que disponibilizará 4 (quatro) horas semanais ao projeto, participam também, o Prof..., o Ocean.... e o Acad. ... O primeiro disponibilizará 4 (quatro) horas semanais ao projetos e os demais 6 (seis). Todos serão remunerados pelo projeto, que está orçado em R$ 312.000,00 (trezentos e doze mil reais), financiados por Indústrias Alimentícias Leal Santos Ltda. e terá início em OUT2013 e término previsto para SET2015. Está cadastrado na ProPesP sob o número 295.944/2013.

Proposta: Como os projetos têm financiamento externo, o Diretor propõe que o projeto seja homologado nesta reunião e que conste do plano de atividades do Instituto e dos participantes.