quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sob o espesso véu da ignorância



Meu estágio no porto está se mostrando uma experiência absolutamente fantástica, posso ver onde e como realmente me encaixo no mercado de trabalho. Há uma luz no fim do túnel, oceanólogos não precisam necessariamente se matar por uma vaga de professor-pesquisador, há vida, pra nós além da academia.

E essa semana está rolando vistoria da anvisa... Bom, desde a semana passada está a maior correria. Tem uma regulamentação que, acreditem, exige que os latões de lixo exibam a descrição: "grupo D". Sim, ninguém, além deles mesmos (não garanto que todos) sabem o que quer dizer "grupo D", mas é isso que eles exigem. Não cobram que se recicle, ou diminua, ou reutilize, nem nada disso, precisa estar escrito grupo D, esse tipo de resíduo também já recebeu o nome de "classe 2" pela ABNT e "grupo 3", se não me engano, em uma conama...
Enfim, após pintarmos todos os latões do porto eles vieram. E minha chefe me pediu para que acompanhasse o passeio. Meu Deus, logo no primeiro pico que entramos minha barriga começou a doer, parecia ter levado um soco. Era o A8, um armazém de uma operadora, uma empresa privada chamada Serra Morena. Um lugar escuro e mofado, com piso irregular, alguns armários velhos que não dava conta das coisas de todos os trabalhadores. Parecia um barraco de favela.
Em outro armazem, que estava em obras, numa cozinha-refeitório improvisada a comida era aquecida em uma "chocadeira", sim uma caixa com tábuas velhas e sujas com lâmpadas, as comidas eram postas lá de manhã e no almoço estavam quentinhas...
Na oficina a situação era outra, a geladeira ficava no banheiro!

O mais interessante é que frente a indignação da vistoriadora as pessoas ficavam bobas, alguns se ofendiam. Eles não conseguiam entender a oportunidade, a ajuda que essa moça podia dar. Não conseguiam perceber o quanto de dignidade faltava no ambiente de trabalho deles... E mesmo um colega que eu julgava esclarecido, começou a ficar de bico. Ele dizia "Essa mulher está louca, quanta arrogância, prepotência..." E eu tentava (sou péssima nisso) argumentar "Mas, ela está certa, tem que mudar, a condição de trabalho onde mais se gera renda nessa cidade tem que melhorar." "Não vai mudar, eu estou aqui a 30 anos, é não é ela que vai mudar, eu vou entrar no meu e-mail fantasma e mandar um recado pra Brasília, pra acalmarem ela".

Hoje na aula meu professor estava falando dos filtros que todos temos sobre nossa visão de mundo. No saco da mangueira, uma das regiões mais podres da cidade, existe o hábito de se aterrar com lixo e armar o barraco encima. Em uma aula ele foi conversar com uma mulher que morava nessas condições: "A senhora tem alguma queixa, quanto a situação em que vive?" "Imagina, eu estou ótima, tem gente muito pior. Sabe que antes eu tinha que andar 4 km pra pegar água limpa, agora tem esse cano que passa em frente a minha casa!". "Essa mulher acorda pensando no que vai comer, pra sobreviver a mais aquele dia. Nós, favorecidos, podemos pensar na origem do universo, condições sub-atomicas, etc... Se ela tivesse a mesma visão de mundo que nós, já teria se matado." Dizia ele na aula de hoje.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Catástrofe geral


Ontem foi um dia cheio, acordei cedo, tomei o café da manhã com meus pais, arrumei as malas (com muitos palpites da minha mãe "Leva esse xarope pra tosse, é ótimo"), ajudei no almoço. Comemos juntos, ajudei com a louça e fui ao aeroporto. Uma hora de espera, duas de voo, pega van, passarela, trem, chega na rodoviária, mais uma hora de espera e 5 de ônibus, sabendo que amanhã o despertador toca às 7, para estágio, monografia e aula até às 18:50...
A parte boa é ser apanhada do ônibus, pelo namorado e cachorros amados! Chegar em casa com o jantar pronto, especialmente para mim.

Bom, acontece que sou especialmente noiada com minhas horas de sono, tenho verdadeiro pavor de ficar cansada ou com dor de cabeça, então na primeira oportunidade que tive pulei na cama.
Mas o Bizzi, que não tem essa noia toda me perguntou da luminária (eu nem sequer pensei em desfazer as malas). "Está na mala preta". "Ué, porque ela está com óleo?", comecei a desenvolver esse enigma mentalmente enquanto ele achava que eu grosseiramente estava querendo dormir. "Putaqueopariu o xarope!" levantei correndo enquanto gritava muito aborrecida "o vestido, o vestido". Ele, sem entender muito bem foi atrás de mim. Peguei o vestido, que uma cunhada (com quem tenho uma relação delicada por nossas diferenças, uma vez que ela se preocupa com as coisas dela(!) havia me emprestado, e comecei a molha-lo na pia, muito puta temendo ter manchado o vestido lindo que não era meu e que pretendo usar na formatura. "Bom, sorte que eu vi agora" ele tentava ver as coisas positivamente. Depois de umas enxaguadas, voltei a mala tirar o maldito xarope, quando vejo livros melecados. "Os livros" berro ainda mais aborrecida, como se fosse possível, pego-os, quase chorando e tento limpar as capas. "Mas, que xarope é esse?" "De tosse, minha mãe me deu." "E você tá com tosse?", resmungo qualquer coisa e continuo incontrolavelmente alimentando minha raiva. "Nossa, vc não sabe o estado do seu sapatinho de camurça". Acabo a tentativa de limpar as capas, um pouco mais aliviada pelo conteúdo dos livros estar acessível, mas ainda muito puta pelo vestido, e me enfio na cama. "Você num vai nem ver o sapatinho?" "Ah meu, que se f@$#" "Puxa, é o presente que minha mãe te deu...".

Agora, sinceramente, e daí se a porra do vestido pegar fogo?! O que aconteceria? "Puxa Ju, foi mal, posso te comprar outro vestido, algo que substitua? Por favor, jamais me empreste naaaada nessa vida." E bem, teria que comprar outra coisa pra por na formatura... nada demais.
Mas porque, por favor, poruqe é que eu fiquei tão descontrolada, tomada de raiva e desespero, como e o vestido fosse um filho recém-nascido que eu tivesse deixado cair do colo... e se fosse o filho, também não deveria haver desespero, fatalidade... onde foi parar toda minha filosofia zen, meus estudos espíritas, meu yoga, por um vestido com melado que eu nem sequer sei se manchou de fato. É assustador ser humano, incapaz de controlar os próprios sentimentos e pensamentos, e até palavras e ações...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Quilombo

Aqui no RS tem muitas comunidades alemãs, eu conheço uma loiríssima, alta, longilínea, clarinha de olhos azuis, que tem muito orgulho de ser "pomerana".
Sim, tem comunidades em que nem se fala português, apenas, pomerano!
As crianças só aprendem o português na escola.

Escola essa na qual uma outra amiga minha está atuando. Essa amiga, por sua vez é morena, morena, não, negra, como ela faz questão de repetir!
Essa escola, Keith, tem 60% de alunos pomeranos e 40% negros - me dizia ela enquanto caminhávamos pela cidade - Antes haviam 2 escolas, uma só para os pomeranos e outra para os negros do quilombo, mas com a política de acabar com as escolas rurais precisou-se fechar uma. Acho que é desnecessário dizer qual foi fechada, não é mesmo?!

Ela disse que está tendo muito conflito entre os alunos, e ela e mais 4 colegas do mestrado, loiras e lindas, estão trabalhando essa questão, entretanto os alunos negros só falam com ela. Os negros são quase invisíveis para os pomeranos, que mantém uma cultura muito fechada, são muito tradicionalista.

Os negro por sua vez, não tem uma cultura própria, o quilombo começou com escravos fugitivos, eles procuraram locais onde não houvesse ninguém, ou seja, terras pobres. Nas senzalas eram "amontoados" juntos, e é fácil imaginar que os senhores não curtiam muito quando começava a se formar uma família, a mãe era logo afastada do filho, sim, o amor fortalece, uma mãe faz de tudo por seu filho querido, um homem por sua amada... e força e união não era exatamente o que os "senhores" esperavam dos seus escravos. Ainda hoje, nessa comunidade quilombina, que só recebeu água e luz ano passado, não há o conceito de família. Ainda hoje, eles mesmos não conseguem se reconhecer como iguais entre os pomeranos, pra quem seus pais, ainda que "livres" continuam trabalhando na terra, produtiva.

E os pomeranos seguem, com bochecha rosada, orgulhosos por manterem sua mesma cultura por tantos e tantos anos praticamente inalterada.